O Sistema Único de Saúde (SUS), conquista civilizatória dos brasileiros e um dos mais importantes programas de assistência universal à saúde do mundo, está pedindo socorro. O sistema foi atingido por subfinanciamento crônico durante o atual governo e acumula mais de 1 milhão de pessoas na fila de procedimentos.
Alguns números sustentam essa informação. A “engenhosa” Emenda Constitucional 95, também conhecida como PEC do Teto de Gastos, retirou R$ 37 bilhões do SUS entre 2018 e 2022. As perdas, somadas às previstas no Orçamento de 2023, alcançam R$ 59,6 bilhões. Além disso, os royalties do petróleo estão sendo desvinculados do setor da saúde e utilizados para amortização da dívida pública desde a EC 109, de 2021. Isso dá uma perda de outros R$ 11 bilhões para o SUS no período, totalizando R$ 70,6 bilhões.
Olhando para esses números, compilados no estudo denominado “Nova Política de Financiamento do SUS”, feito na UFRJ para a Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), e ao mesmo tempo observando os resultados do primeiro turno das eleições, só é possível chegar a uma conclusão: o brasileiro tem memória curtíssima.
Já estaria esquecida, desculpem o termo, a matança de quase 700 mil pessoas durante a pandemia de covid-19. Indivíduos que apoiaram o negacionismo ou se omitiram em meio à fúria governamental austericida do início da pandemia foram eleitos nos quatro cantos do país.
Três exemplos: em Manaus, onde centenas de pessoas morreram, algumas na rua, por falta de tubos de oxigênio, o presidente Jair Bolsonaro (PL), que debochou dos asfixiados, teve 54% dos votos, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 37%. Eduardo Pazuello (PL), ministro da Saúde na época da tragédia de Manaus, foi eleito deputado federal no Rio, com 205 mil votos. No Estado de São Paulo, núcleo da resistência a favor da vacinação, o candidato do governo negacionista teve 42% dos votos para governador no primeiro turno e lidera as pesquisas no segundo. O governador de São Paulo no auge da pandemia, João Doria, que imaginou (pretensiosamente) usar a vacinação como operação de marketing para chegar à Presidência, está isolado e saiu do PSDB e da política.
A cinco dias da eleição, o estudo acadêmico feito pelo Instituto de Economia da UFRJ, coordenado pelo professor Francisco R. Funcia*, mostra a situação precária do SUS e sugere um sistema para financiamento que considere também o caráter estratégico dos gastos/investimentos, dado seu efeito multiplicador e distributivo, com impacto na produtividade do trabalho e na qualidade de vida. Saúde diz respeito a um direito constitucional e sua discussão se mistura com o debate econômico, a decantada austeridade fiscal e o “sacrossanto” teto de gastos.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que os gastos totais com saúde no Brasil atingem 9,6% do PIB, índice próximo ao de países que também contam com acesso universal, como Canadá, Reino Unido, Portugal e Espanha, e acima da média da Europa. Entretanto, há uma diferença: aqui, o gasto público, de 3,9%, representa menos da metade do dispêndio total, enquanto nesses países corresponde a algo entre 70% e 80% (ver tabela acima). O gasto privado, portanto, que atende às classes mais ricas, representa 5,7%. É o Brasil.
Fonte: Valor Econômico