Não é novidade que a pandemia da covid-19 trouxe uma série de consequências para a saúde e a economia mundial. Mas dentro dos hospitais, onde a doença foi “vista” de perto pelos profissionais de saúde, os resultados ainda repercutem, mais de dois anos depois.
O caos nas unidades de saúde não se resumiu aos enfermos, mas também impactou as pessoas que permitem que os hospitais funcionem: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares, fisioterapeutas, além de outros profissionais que acompanharam e ajudaram pacientes a lutar pela vida contra a covid-19.
A falta de informações sobre a doença provocada pelo coronavírus, a indisponibilidade de leitos e até a falta de materiais básicos para autoproteção e para o tratamento dos pacientes fizeram com que o estresse, o esgotamento mental e a síndrome de Burnout atingissem os trabalhadores da saúde nos últimos dois anos. Tudo isso com riscos à própria saúde e, muitas vezes, sem o devido reconhecimento em termos financeiros.
De acordo com um estudo publicado na Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, realizado pela International Stress Management Association, 70% dos brasileiros sofrem as consequências do estresse e destes, 30% apresentam a síndrome de Burnout, distúrbio emocional provocado pelo estresse relacionado ao trabalho.
“Recebemos muitas denúncias com relação a pessoas que estão sendo afastadas do local de trabalho pela sobrecarga por questões emocionais. [Os profissionais] entram num círculo vicioso: você afasta, há sobrecarga de trabalho dos que ficam, então esses outros também acabam desenvolvendo problemas”, explica Ana Paula Ochoa, coordenadora do Núcleo de Ética e Disciplina Profissional do Conselho Regional de Enfermagem de Pernambuco (Coren-PE).
“São pessoas que saem de um hospital para o outro direto. Se for diarista, trabalha em torno de 12 horas por dia, se for em esquema de plantão, pode chegar a 24h e às vezes até 36h de trabalho, isso é fora de qualquer humanidade. O profissional não consegue ser uma pessoa sadia mentalmente, a saúde mental está muito prejudicada”, complementa.
A síndrome de Burnout foi reconhecida como uma doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apenas em janeiro de 2022, quando passou a fazer parte da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, com o CID-11, mas já afetava muitos trabalhadores antes disso.
“Diferentemente do estresse comum, o Burnout é caracterizado por um quadro prolongado, crônico, persistente, intimamente relacionado com atividades laborativas que promovem um quadro de completo esgotamento, perda do prazer pelas atividades laborais e afins, cansaço excessivo, sensação de esgotamento, alterações de sono e apetite, ideias de menos valia, de incompetência, prejuízo no rendimento do trabalho, sintomas físicos”, detalha a psiquiatra Milena França, conselheira do Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (Cremepe).
Um levantamento realizado pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) antes da pandemia da covid-19 (entre abril de 2017 e julho de 2018) revelou que pelo menos um em cada seis profissionais de saúde apresenta sinais de burnout. A pesquisa foi realizada com 715 profissionais de saúde – entre médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas de 36 hospitais públicos e privados do Brasil.
Os profissionais de saúde entrevistados trabalhavam em unidades de terapia intensiva (UTIs) por pelo menos 20 horas por semana. Além do Burnout, eles também apresentaram sintomas de ansiedade e depressão, que podem estar associados à síndrome ou não. O problema, portanto, sempre existiu, piorou na pandemia e continua existindo atualmente.
Para Ana Paula Ochoa, a pandemia da covid-19 foi uma gota d’água que transbordou. “A situação do SUS (Sistema Único de Saúde) não está diferente. Continuam faltando leitos, você tem pacientes que não têm condições de internar e você vê sofrendo na emergência numa maca, com leito no chão, então temos uma realiade de saúde que, por si só, já é estressante. A pandemia só escancarou mais, mas o dia a dia não é diferente. No serviço público faltam condições de trabalho e na rede privada, há trabalho escravo”, lamenta.
O burnout é comum em profissionais como jornalistas, professores, policiais, profissionais de saúde e outros que atuam sob pressão diariamente. Sintomas como sofrimentos psicológicos, nervosismo e até problemas físicos como cansaço excessivo e tonturas podem indicar Burnout. Se não tratada, a síndrome pode resultar em um estado de depressão profunda. Por isso a necessidade de buscar ajuda profissional.
Fonte: Jornal do Commercio