Ministério da Saúde incorporou 28 e recusou 20 tecnologias ao SUS em 2025

Pacientes e indústria farmacêutica cobram comissão por mais transparência. Prazo médio até decisão de incorporação está em 257 dias.

 

No primeiro semestre de 2025, o Ministério da Saúde incorporou 28 tecnologias ao SUS, entre medicamentos, procedimentos e dispositivos médicos. Esse é o maior número de incorporação dos últimos sete anos, nos meses analisados, segundo dados da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). A análise, feita por Futuro da Saúde, observou o período até 25 de junho entre 2019 e 2025.

Ao todo, este ano a Conitec fez 55 avaliações. Dessas, 20 tecnologias não foram incorporadas ao SUS, representando o maior número dos últimos anos, mas mantendo a proporção. Também houve a aprovação de três Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), duas ampliações de uso de tecnologias, uma exclusão e uma manutenção do uso de medicamentos.

Em relação aos demandantes, o Ministério da Saúde segue sendo o principal deles (62%), seguido pela indústria (31%) e outros (7%), como associações médicas e de pacientes. Os dados são dos painéis “Recomendações da Conitec” e “Tecnologias demandadas”, disponibilizados pela própria Comissão.

A incorporação de tecnologias e as recomendações da Conitec são consideradas um ponto sensível para pacientes, que cobram maior transparência sobre as decisões e os critérios utilizados. Após a adoção de um limiar de custo-efetividade em 2022, que estabeleceu um valor teto para a adoção de tratamentos e procedimentos no SUS, houve uma maior preocupação.

Procurado, o Ministério da Saúde afirma, em nota, que as análises da Conitec permitem recomendações favoráveis à incorporação de tecnologias com custo acima do limiar, especialmente para doenças raras. “Exemplos incluem a incorporação recente de medicamentos como Rituximabe (vasculite), Cladribina (esclerose múltipla), Beta-agalsidase (doença de Fabry) e Ustequinumabe (doença de Crohn), aponta a pasta.

Também há atenção sobre como a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a judicialização de medicamentos não incorporados ao SUS pode impactar a demanda e as avaliações da Conitec. O Ministério defende que “a decisão reforça a importância de que as políticas públicas em saúde sejam pautadas por critérios técnicos e evidências científicas, contribuindo para a equidade no acesso e a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde”.

“O andamento da fila impacta muito o tratamento dos pacientes. Para uma tecnologia ser incorporada, já passou por uma jornada gigantesca, pelo menos 20 anos de pesquisa e desenvolvimento egistro, precificação, criação e submissão desse dossiê, análise e consulta pública. A partir da incorporação do Ministério, teoricamente em 180 dias teria que estar na mão do paciente. Na maioria das vezes, isso não acontece”, afirma a pesquisadora Verônica Stasiak Bednarczuk, fundadora do Instituto Unidos pela Vida e doutoranda em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Avaliação de Tecnologias da Saúde (ATS).

Como funciona a recomendação da Conitec?

A Conitec tem 180 dias, prorrogáveis por mais 90 dias, para avaliar tecnologias, seja por uma demanda interna do próprio Ministério da Saúde ou externa, vinda da indústria farmacêutica, de dispositivos médicos ou de associações de pacientes ou médicas. É necessário a apresentação de um dossiê estruturado. Atualmente, o tempo médio entre o protocolo de análise e a decisão do Ministério da Saúde em incorporar ou não uma tecnologia é de 257 dias, de acordo com a análise dos dados disponíveis em 2025.

A avaliação preliminar da Conitec é submetida à deliberação do comitê, composto por 15 membros que  inclui diversos representantes do Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Associação Médica Brasileira (AMB), Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS), entre outros. A recomendação passa por consulta pública, nova deliberação da Conitec e é encaminhada para o Ministério da Saúde, que, em geral, acompanha a posição da Comissão.

“O processo da Conitec hoje é bem regulado e padronizado. Conseguimos acompanhar os calendários de reuniões e as submissões que estão sendo feitas. O prazo vem sendo cumprido, mas percebemos um tempo maior após uma decisão favorável e a real disponibilização de tecnologia no sistema Isso tem tido uma variabilidade bem grande e um tempo bem maior do que os 90 dias que seria o prazo estipulado por lei”, afirma Ana Paula Beck da Silva Etges, pesquisadora do Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS) e professora do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Etges defende que, mais importante que o número de tecnologias avaliadas pela Comissão, é ter assertividade no que se é avaliado, a partir de um planejamento sobre o que é prioridade para o SUS e para a população. Da mesma forma, indica que é preciso que demandas externas também tenham sentido e sejam apresentadas com o dossiê necessário.

“Muitos dossiês são feitos com má qualidade e defesas mal preparadas. Assim, há dificuldade de ter um resultado favorável por não estarem bem elaborados.  É um trabalho que deve ser feito por várias mãos, melhor compartilhado entre diferentes stakeholders, sociedades médicas e proponentes industriais”, afirma a pesquisadora.

Visão do paciente

Para os pacientes, a grande dificuldade está após a recomendação da Conitec e incorporação pelo Ministério da Saúde. A disponibilização do tratamento é um dos gargalos. São recorrentes adiamentos, atrasos e discussões sobre a disponibilidade orçamentária.

“Avaliações de vários anos se acumularam, onde tivemos recomendações positivas de mais de 15 drogas diferentes e que não estão acessíveis de fato para a população. Temos uma incorporação formal, vemos o Ministério publicando a portaria, mas quando vemos na ponta, no hospital, não é com essas medicações que os pacientes estão sendo tratados de fato”, afirma Helena Esteves, gerente de Advocacy do Instituto Oncoguia.

Também há dificuldades sobre a atualização e publicação de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs). Não há clareza sobre a periodicidade com que eles são feitos e revistos pela Conitec. Eles são essenciais para a inclusão de novos tratamentos incorporados ao SUS no dia a dia dos serviços de saúde pelo país.

Em dezembro de 2024, o PCDT de câncer de mama foi publicado, depois de diversos adiamentos e atrasos. Após aprovação da Conitec e consulta pública, o tema ficou engavetado por meses no Ministério da Saúde. Considerada uma vitória por entidades de pacientes, a publicação dos protocolos está prevista na Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC).

“Já questionamos o Ministério da Saúde em relação aos próximos protocolos e o que vai ser priorizado daqui pra frente. Sabemos que estão sendo elaborados o protocolo de câncer de pulmão e de câncer gástrico, que estão tramitando, mas ainda em um processo interno, a portas fechadas sem ter vindo a público ainda. Não passaram exatamente uma lista de priorização”, afirma Esteves.

Ela reforça que a incorporação de novos tratamentos é essencial para reduzir o abismo entre o SUS e saúde privada no Brasil, e que possíveis demoras podem ampliar essa desigualdade. Apesar de entender que o processo da Conitec é transparente, vê oportunidade de melhorias. “Principalmente agora, poderia melhorar em estabelecer o que é prioritário, o que é necessário começar urgentemente por onde começar. Isso ainda precisa ficar mais claro para a sociedade. Ainda temos dúvidas se existe essa priorização”, avalia Esteves.

Verônica Stasiak Bednarczuk observa que, apesar de não estar claro se a troca de ministros tem impacto na atuação da Conitec, cada gestor tem suas prioridades, agendas e bandeiras. Em abril, o ministro Alexandre Padilha disse que a incorporação da vacina contra Herpes Zóster será uma das prioridades da pasta.

Impactos da judicialização e outros caminhos

Com a decisão do STF sobre a judicialização da saúde, a Conitec ganhou mais poder de decisão. Caso uma tecnologia seja avaliada e não incorporada ao SUS, um paciente que entre na justiça solicitando-a pode ter o seu pedido negado com base nesta decisão. Por isso, há receio sobre o impacto que ela pode ter tanto na avaliação, quanto na demanda. Recentemente, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) se reuniu com o Ministério da Saúde para propor alterações na governança da Conitec.

A pesquisadora Ana Paula Etges afirma que o tema da judicialização deveria ser levado em conta no processo de ATS, já que traz impactos ao orçamento. No entanto, não há fontes abertas de informações sobre o tema, o que dificulta a utilização. A Conitec não cogita usar essas informações.

“É uma informação não passível de ser acessada e que nos gera várias dúvidas, porque seria até interessante de ser utilizada como uma argumentação para a incorporação. Sabemos que muitas tecnologias estão sendo barradas e, ao mesmo tempo, elas têm um volume de judicialização expressivo, que causa um impacto econômico no sistema”, argumenta a professora da UFRGS.

Por outro lado, ela defende a atualização ano a ano do limiar de custo-efetividade definido pela Conitec O valor adotado é de 1 PIB per capita por ano de vida ajustado pela qualidade (QALY), equivalente a 40 mil reais na época da aprovação, podendo ser flexível até três vezes esse valor em casos específicos.

Etges afirma que, ao redor do mundo, a forma como a incorporação de tecnologias vem sendo feita passa por mudanças. “Países estão usando a tecnologia muito mais como um meio que faz parte de uma linha de cuidado, e repensando todo o serviço de saúde com muito foco em prevenção e acompanhamento de segmentos. Cada vez mais, trazendo essa abordagem para dentro do processo de avaliação de tecnologias em saúde, o que aqui no Brasil ainda não vemos formalmente acontecer”, afirma.

 

Fonte: Futuro da Saúde