Diretores de RH estão preocupados em como capacitar profissionais de cargos intermediários
A preparação da média liderança, que ocupa os cargos intermediários na hierarquia corporativa e cascateia as demandas dos altos executivos ou alinha prioridades do negócio, é o que preocupa diretores de recursos humanos pós impacto da pandemia. São esses gestores médios que contratam e treinam, e que agora têm um papel fundamental para garantir a experiência, flexibilidade e autonomia dos funcionários na implementação dos novos modelos de trabalho. “Nossos estudos da Cia de Talentos, em especial a pesquisa Carreira dos Sonhos, mostram que é a média liderança que sai mais desmotivada da pandemia”, avalia Sofia Esteves, psicóloga e presidente do conselho do grupo Cia de Talentos.
Essa preocupação apareceu em um evento fechado no começo deste mês, que reuniu mais de 30 executivos de startups a grandes organizações (sendo 25 deles diretores ou líderes de RH), e foi realizado pela Nespresso. Os RHs estavam ali para compartilhar aprendizados e práticas, em um momento no qual as empresas já perceberam que não há fórmula única para dar conta dos desafios atuais da gestão de pessoas. Estavam lá representantes da SAP, Hospital Albert Einstein, Stefanini, Grupo Fleury, Pepsico, BK Brasil, IBM, Vivo, Tenda, Descomplica, Meta, Netflix, BNP Paribas, OLX, Ticket Edenred, entre outras. O Valor participou do evento, mas manterá o anonimato dos participantes.
De forma geral, os RHs estão se perguntando qual é o tipo de treinamento ou a ação mais eficaz para motivar os líderes intermediários das companhias e para melhor acolhê-los no retorno ao escritório, porque “no fim são eles que dirigem a companhia”.
Uma pesquisa do Slack com mais de 9 mil funcionários de várias empresas mostrou que os gestores de nível intermediário sentiram mais o estresse no trabalho remoto, em comparação com a alta liderança. Responsáveis por comunicar as decisões da companhia e garantir a continuidade das operações em novos modelos de trabalho na pandemia, também apresentaram os menores índices de satisfação na pesquisa.
“São eles que treinam e contratam. E são eles também que podem escutar mais as dores dos times e passam a diretriz de um novo contexto de trabalho”, refletiu a diretora de uma empresa de tecnologia. Ignorar que eles precisam de um treinamento diferente daqueles que a alta liderança recebe pode ser prejudicial para a diversidade na empresa, porque “eles acabariam contratando apenas o mesmo perfil de pessoas”.
“Essa média gestão é quem replica os ‘role models’ da empresa e carrega o espírito e DNA da cultura. Precisamos construir novas diretrizes de forma participativa com eles, se não tudo virará uma colcha de retalhos, cada um tentando aplicar o que acha melhor ou a sua história própria de gestão”, afirmou uma executiva que deixou recentemente uma grande empresa para liderar a gestão de pessoas em uma startup.
O diretor de pessoas de uma outra startup, que tem mais de mil funcionários, disse que a estratégia da empresa para motivar os líderes médios é reservar a agenda da alta liderança: metade do tempo de reuniões dos executivos é gasto em encontros com a média liderança para apoiá-los nas decisões diárias. “É importante esse olhar e foco, porque muitas vezes são eles que levam a entraves na implementação de políticas de gestão de pessoas”, avaliou Sofia Esteves.
Outro tema que vem preocupando a área de RH é a remuneração ideal para atrair talentos em áreas competitivas, com os diretores de grandes empresas perguntando, no evento, a líderes de RH de startups, qual é o limite da compensação para desenvolvedores, por exemplo. A percepção compartilhada é a de que os salários em áreas concorridas já estão inflacionados, mas vão continuar subindo, porque a escassez de talentos, principalmente em tecnologia, está muito longe de diminuir.
“O que alavanca empresas menores para atrair talentos, já que não temos luxo, estacionamento e muitas vezes condições para mega benefícios, é o pacote de remuneração mais agressivo e garantir o ‘equity’ para todos. Nas grandes empresas, a divisão dos ganhos do negócio fica mais com os níveis mais altos”, disse a diretora de pessoas de uma startup.
Outro ponto que suscitou dúvidas no evento relaciona-se à criação de um ambiente seguro psicologicamente, para que funcionários não tenham medo de falar o que pensam, e também falar que erraram. Estimular que a liderança demonstre suas vulnerabilidades e diga claramente que errou e está voltando atrás é o primeiro passo.
O segundo, de acordo com uma executiva que já passou por empresas gigantes no setor de consumo, é investir no uso de ferramentas de comunicação aberta. “Estimule as pessoas a se manifestarem nas reuniões. Comece com recursos onde elas possam falar de modo anônimo e depois valorize quem resolve se identificar para apontar um problema. É importante ter em mente que não é só o líder que precisa ser transparente. Mas essa via de mão de dupla precisa ser construída.”
Fonte: Valor Econômico