Senior advisor do Lean Institute Brasil (LIB) estreia coluna com reflexão sobre a falta de comprometimento da alta liderança do setor de saúde com a melhoria dos processos.
Em filosofia, o termo “falácia” tem um significado um tanto preciso. Em resumo, quer dizer um raciocínio falso, mas que, apesar de errôneo, ele simula o real. Ou seja, é mentira, mas parece verdade.
Na gestão tradicional da saúde, uma das falácias que mais se encaixam nisso é a do “alto desempenho”. Nesse modelo, uma performance é considerada boa, satisfatória ou de sucesso quando atinge números definidos nos planejamentos tradicionais. Se bateu as metas é porque está tudo bem, e podemos comemorar.
Mas no fundo, trata-se de uma ilusão. Não há preocupação e comprometimento real da alta liderança com a melhoria dos processos, basta só alcançar as metas do mês, custe o que custar. Assim, não raro, usando estratégias estranhas ou até estravagantes, as metas são batidas com processos precários. Colaboradores “jogando” a favor ou contra o sistema torturam os indicadores, usam e abusam de justificativas e mudanças metodológicas, entre outras práticas pouco recomendáveis.
“A maquiagem dos indicadores desse mês vai aparecer no mês que vem; precisamos de um outro plano até lá”. Assim, sofrem todos: a organização, os profissionais envolvidos e, muitas vezes, a segurança e a vida dos pacientes, que podem acabar expostos a sérios riscos. É um tipo de miopia organizacional habitual na indústria da saúde. A gestão não enxerga que o alto desempenho de verdade só ocorre quando fruto de processos robustos, bem desenhados e consistentes.
Com o tempo, caímos no ciclo vicioso de “desespero organizacional”: como não há esforço real para se melhorar os processos, todos focam no curto prazo, precarizando cada vez mais os processos, aumentando variação no desempenho. Assim, teremos ambientes cada vez mais instáveis e cada vez maior pressão por desempenho.
Fortalece-se o “trabalhe mais, seja mais dedicado, mais e mais…”, mais horas extras, mais correria, cada vez menos tempo para estudar e refletir sobre os problemas rotineiros que poderiam ser tratados rapidamente, mas não dá tempo. Não demora muito para que as pessoas entrem em exaustão e colapsem. Ou adotem o modo de um livro famoso: “vamos ligar o f…”. Eventualmente são substituídas ou desistem. Henry Mintzberg costuma dizer que as pessoas não se demitem de seus empregos, se demitem de seus chefes.
Para nós, o bom desempenho deve ser o resultado de processos excelentes. Eles são o foco principal da gestão. E indicadores jamais serão um fim em si mesmos. São sempre reflexo de bom planejamento e bons processos. Ou são um alerta para problemas emergentes e novas oportunidades de melhorias.
Um executivo sênior da Toyota, berço da gestão lean, dizia que o “gerenciamento de processos brilhantes é nossa estratégia. Obtemos resultados brilhantes através de pessoas medianas gerenciando processos brilhantes. Observamos que nossos concorrentes frequentemente obtêm resultados medianos ou piores contratando pessoas brilhantes que gerenciam processos quebrados”. O segredo está nos processos e não nos indicadores. Essa é a falácia do alto desempenho.
Nosso desafio é desenvolver lideranças que consigam desenvolver uma cultura da melhoria de processos ao invés de “cultivar” indicadores. Se o líder não for capaz de refletir sobre seu verdadeiro papel dentro da organização e sua responsabilidade no fortalecimento da segurança psicológica e da capacidade de resolução de problemas, ele é apenas mais um “espantalho”, movendo-se ao sabor do vento ou da meta impossível, microgerenciando suas equipes, criando ambientes hostis e instáveis, tanto do ponto de vista operacional quanto emocional.
O líder em busca de um desempenho excepcional precisa tomar consciência, refletir e exercer controle sobre suas atitudes, definindo o foco da organização e guiando a transformação dos processos ruins em extraordinários, através da solução de problemas e da segurança psicológica. Enquanto ele estiver ocupando apontando dedos, buscando culpados e batendo metas mensais, o alto desempenho será apenas mais uma falácia do mundo corporativo.
Fonte: Saúde Business