A Covid e o vírus sincicial respiratório, principal causador da bronquiolite, estão entre as ameaças mais perigosas aos pequenos
As bactérias e os vírus respiratórios também causam estragos no verão, o que acende o alerta para não descuidar da saúde, principalmente em relação às crianças.
“Habitualmente, o verão não é época para as doenças respiratórias, mas temos observado de alguns anos para cá uma mudança na sazonalidade delas. Essas doenças são muito potentes no outono e no inverno, mas também acontecem fora desse período”, afirma Cid Pinheiro, médico e coordenador da Pediatria do Hospital São Luiz Morumbi.
De acordo com o informe mais recente do Ministério da Saúde sobre a vigilância das síndromes gripais, em 2023 até o dia 30 de dezembro, os casos de Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em crianças menores de um ano e até quatro anos chegaram a 107.863, com 1.324 mortes no país. Destes, o VSR (vírus sincicial respiratório), principal causador da bronquiolite, foi responsável por 24.349 casos e 270 óbitos, e a Covid-19 por 6.022 casos e 153 mortes. Pelo vírus influenza houve 4.064 infecções e 113 mortes.
Na última semana de dezembro, também houve a circulação do rinovírus, principalmente entre crianças menores de dez anos.
“Eu não creio que neste verão —e com o calor que está fazendo— nós tenhamos uma preocupação excessiva com um novo surto de influenza ou de outros vírus respiratórios, apesar de circularem fora da época de inverno. Vamos continuar vendo casos de influenza em crianças e em outras populações, vamos continuar vendo casos de vírus respiratórios em crianças pequenas, mas eu não acho que a ponto de ter um surto coincidindo com as doenças de verão e até mesmo com a Covid por conta da variante JN.1”, explica Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo.
As alterações climáticas e a pandemia de Covid ajudaram a bagunçar essa sazonalidade. Mesmo com o fim da emergência, declarado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em maio do ano passado, o coronavírus pode provocar picos da doença ao longo do ano.
A variante JN.1 está em crescimento em países da Europa e nos Estados Unidos. No início de dezembro de 2023, a nova cepa foi identificada no Ceará. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde, das amostras analisadas de 5 de novembro a 9 de dezembro, 84,5% foram positivas para a JN.1 (último dado até o fechamento do texto).
Essa variante tem um número grande de mutações. “Ela é bem diferente das várias variantes XBB da ômicron que a gente estava vendo até agora. Aparentemente, segundo os dados americanos, a vacina em uso nos Estados Unidos atualmente tem protegido contra formas graves da JN.1 também. A bivalente utilizada aqui não é certeza”, explica.
“Se não houver medidas de controle adequadas, como temos visto, é possível que tenhamos um aumento de casos relacionados à JN.1. Provavelmente não serão casos graves porque continuamos ainda com aquela imunidade híbrida de infecções prévias, e também de vacina. E essa medida do ministério de reforçar a imunização, ainda que seja com a vacina antiga, vai atenuar, além da recente aprovação e breve incorporação da vacina contra a XBB”, diz Araújo.
Vacinação da Covid nas crianças
Dados do vacinômetro do Ministério da Saúde mostraram que, no dia 4 de janeiro, 22% das crianças de 3 a 4 anos haviam tomado duas doses da vacina monovalente contra a Covid e 5,8%, três doses. Na faixa de 5 a 11 anos, 55,5% receberam duas doses e 12%, três.
Evaldo Stanislau lembra que no auge da Covid houve casos graves da doença e mortes no público infantil, principalmente nas crianças com algum tipo de doença de base. Por isso, é importante imunizar os pequenos.
Em 2024, a vacina contra a Covid para crianças de seis meses a menores de cinco anos entrou para o Calendário Nacional de Vacinação. A recomendação do Ministério da Saúde é aplicar a primeira dose aos seis meses de idade, a segunda aos sete e a terceira aos nove meses.
Como tratar a negação vacinal? Na opinião de Araújo, educação e informação são algumas medidas. “Você pode atrelar aos programas de bem-estar social, à matrícula na escola, à comprovação obrigatória de que as crianças estão vacinadas. Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ser vacinado é um direito da criança e do adolescente. Como é um direito, cabe aos pais ou responsáveis vaciná-los.”
Alguns cuidados no verão
Se estiver com sintomas gripais, fique em isolamento. Ao sinal de tosse e espirros, faça a higiene adequada das vias aéreas e use máscara. É importante testar para esclarecer o diagnóstico
incentive a higienização das mãos;
no verão, os ambientes ficam fechados devido à utilização do ar condicionado. Em locais onde o ar natural não circula, a transmissão dos vírus é aumentada. É importante sempre arejar os ambientes;
hidratação é fundamental. “Corpo hidratado significa boa saúde, independentemente das doenças que você está prevenindo, em especial as respiratórias. Sabe por quê? Quando você começa a produzir algum tipo de secreção, se bem hidratado, essa secreção fica mais fluída e é eliminada mais facilmente”, explica Cid Pinheiro;
alimentação saudável com frutas, legumes e verduras, para fortalecer o sistema imunológico;
cuidado com a otite. No ambiente aquático é comum nesta época a otite externa –inflamação no ouvido causada por fungos ou bactérias que acomete a pele da orelha. Os principais sintomas são dor de ouvido, coceira e secreção;
outra preocupação nas piscinas e na praia é com a secreção que escorre do nariz da criança. Segundo o médico Cid Pinheiro, é importante que a via aérea seja umedecida, mas além do habitual pode ser porta de entrada para a proliferação de vírus e bactérias;
cuidado com o compartilhamento dos brinquedos entre as crianças;
mantenha em dia a carteirinha de vacinação.
PNEUMONIA EM CURITIBA
Em Curitiba, uma pneumonia bacteriana está sendo responsável pelo aumento nos atendimentos infantis na emergência do Hospital Pequeno Príncipe. A informação é do médico Victor Horácio de Souza Costa Júnior, infectopediatra do hospital. Segundo ele, a doença está acometendo crianças de três a seis anos.
“O cenário hoje nos preocupa muito com o aparecimento dessas infecções pulmonares, de etiologia bacteriana, no verão, em que o número, quando comparado aos meses anteriores, aumentou significativamente”, afirma Júnior.
Em julho do ano passado foram 52 casos. O mês seguinte registrou cinco a mais. De setembro a dezembro houve 56, 54, 74 e 141 atendimentos, respectivamente. Em um mês, é observado crescimento de 90,5%. Em dezembro, ao menos metade dos pacientes precisou de internação, de acordo com Júnior.
“São pneumonias extensas, que têm associação com dificuldade respiratória e algumas, inclusive, com derrame pleural. Muitas vezes, as crianças chegam dependente de oxigênio, com a respiração mais rápida, uma palidez importante e febre de difícil controle, independentemente delas já terem alguma doença de base”, afirma o especialista.
A reportagem perguntou ao infectopediatra se os casos podem estar ligados à bactéria Mycoplasma pneumoniae, que provocou surto de pneumonia na China e cinco casos em Santo André (ABC paulista). Até o momento, a bactéria é desconhecida. O especialista explica que é difícil isolar o agente infeccioso responsável pelos casos porque as crianças chegam ao hospital já em tratamento com antibióticos. A suspeita dos médicos é que a baixa cobertura vacinal do calendário básico esteja colaborando com a alta de casos.
Fonte: Folha de S. Paulo