A pandemia de Covid-19 provocou uma inflação alta e generalizada nos hospitais gerais do SUS (Sistema Único de Saúde) pelo Brasil, com aumentos de até 528% nos preços de materiais médico-hospitalares e 410% no de medicamentos usados para tratar os doentes. A conclusão é de uma pesquisa inédita liderada pelo Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross) e realizada em parceria com a GO Associados. O Ibross representa 21 Organizações Sociais que mantêm contratos de gestão com estados e municípios brasileiros.
O “Estudo sobre o Impacto da Pandemia da Covid-19 nos custos do setor de saúde”, finalizado em junho deste ano a partir dos dados coletados junto às associadas do Ibross, aponta para uma quebra estrutural da série histórica dos preços das medicações e dos materiais médico-hospitalares nos hospitais públicos após o início da pandemia. “Foram encontradas evidências estatísticas de que houve uma quebra estrutural nas séries de preços a partir de maio de 2020, isto é, que a partir desse mês as séries se comportaram de maneira diferente da sua tendência apresentada entre 2018 e 2019”, diz o relatório.
Conforme a pesquisa, o índice de preços da cesta de medicamentos hospitalares analisada apresentou aumento de 97,49% no período entre fevereiro de 2020 e junho de 2021. Já o índice de preços dos materiais médico-hospitalares registrou alta de 161,14% entre fevereiro de 2020 e abril de 2021.
O universo da pesquisa abrangeu todas filiadas do Ibross que administram instalação do tipo “hospital geral” pelo Brasil, compreendendo 66,5 mil eventos de compra de medicamentos e 36,1 mil aquisições de materiais. No total foram analisados os valores praticados de 76 tipos de medicações e 45 materiais médico-hospitalares, como aventais, luvas, cateteres, máscaras descartáveis, luvas e seringas.
Na análise individual dos grupos de medicamentos, os produtos que tiveram maior variação nos preços médios foram o Midazolam (sedativo usado em intubações), que passou de R$ 2,22 para R$ 11,33 por ampola, o hemitartarato de norepinefrina(medicamento para controle de pressão e tratamento de parada cardíaca), que aumentou de R$ 1,80 para R$ 7,16 cada ampola, e o omeprazol(para tratamento de quadros gástricos), que passou de R$ 4,96 para R$ 18,44 o frasco.
Entre o grupo de medicamentos comprados pelas Organizações Sociais para uso nos hospitais públicos, o valor total médio por compra (preço multiplicado pela quantidade) passou de R$ 3.390,21 antes de março de 2020 para R$ 9.923,36 durante a pandemia, o que representa uma alta de 192,71%.
Já em relação ao agrupamento de materiais médico-hospitalares, os que apresentaram maior crescimento nos preços médios após o início da pandemia de Covid-19 foram agulhas, com aumento de valor médio de R$ 0,14 para R$ 0,88 a unidade, as máscaras cirúrgicas, que passaram de R$ 4,70 para R$ 22,70 o pacote com 50 unidades, e as luvas para procedimentos, que aumentaram de R$ 0,17 para R$ 0,65 o par. Esses produtos estão entre os 15 materiais que tiveram expressivo aumento na quantidade consumida pelos hospitais.
Entre o grupo de materiais médico-hospitalares usados pelos hospitais públicos geridos por OSS, o valor médio por compra passou de R$ 3.866,08 antes de março de 2020 para R$ 10.488,08 durante a pandemia, representando uma alta acumulada de R$ 171,28%.
O estudo também aponta que, enquanto a quantidade de medicamentos compradas pelos hospitais públicos apresentou queda de demanda entre o final de 2020 e o início de 2021, com consequente redução da necessidade de comprar, o índice de preços não apresentou redução proporcional no mesmo período, permanecendo em patamares altos.
“Nota-se que, por mais que os preços tenham caído, estes ainda se encontram bem elevados em relação aos patamares pré-pandêmicos. O índice agregado em março de 2022 mostrou que, no acumulado, os preços de medicamentos ainda se encontram 61,75% maiores em relação a janeiro de 2018”, diz o relatório do estudo.
“A pandemia impactou fortemente os custos dos hospitais públicos e escancarou a forte dependência do Brasil em relação a produtos importados, além de expor o alto risco de desabastecimento de medicamentos e insumos usados nos serviços de saúde, especialmente em períodos de crise”, afirma o médico sanitarista Renilson Rehem, secretário-geral do Ibross.
“Mesmo com a redução no número de internações por Covid-19 em relação aos períodos mais críticos da pandemia, muitos itens adquiridos pelos hospitais seguem com preços em patamares muito elevados, sem diminuição proporcional dos valores praticados. É um cenário muito preocupante do “Custo Saúde” no Brasil”, completa Flávio Deulefeu, presidente do Ibross.
Ainda conforme conclusão da pesquisa, três são os principais fatores que impactaram os preços dos medicamentos e dos produtos hospitalares no Brasil durante o biênio 2020-2021: o aumento da demanda de itens utilizados no tratamento de Covid-19, a partir do crescimento do número de casos confirmados, a desvalorização do real frente ao dólar americano e o aumento generalizado dos preços de mercado devido às quebras das cadeias produtivas globais. “Nesse sentido, nota-se que os preços dos medicamentos e os materiais médico-hospitalares, os quais representam insumos para os prestadores que realizam a assistência à saúde no Brasil, foram afetados de forma significativa”, aponta o relatório.
O estudo também elencou algumas medidas que poderiam auxiliar a garantir a sustentabilidade de disponibilidade de materiais e medicamentos no setor de saúde, especialmente em períodos de crise. São eles: a melhora do ambiente de negócios, com redução do “Custo Brasil”, de modo a incentivar a produção de insumos doméstica e investimentos no setor de saúde como um todo, e a criação de estoques públicos de medicamentos e produtos hospitalares para atendimento tanto da rede pública quanto privada durante crises tal como a pandemia de Covid-19.
Fonte: Medicina/SA