Comemoração 15 de agosto Dia da Santa Casa de Misericórdia

Nesta a oportunidade parabenizamos todas as Santas Casas do Brasil e tomamos a liberdade de transcrever o rico texto abaixo, cujos créditos da matéria fonte pertencem PANORAMA HOSPITALAR – Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Rio Grande do Sul – Ano V – N.º 22 (Junho, 1999), divulgado no também no site da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas — CMB.

 

AS DES PRIMEIRAS SANTAS CASAS

1939 – Santa Casa de Misericórdia de Olinda (PE) **

1543 – Santa Casa de Misericórdia de Santos (SP)

1549 – Santa Casa de Misericórdia de Salvador (BA)

1582 – Santa Casa do Rio de Janeiro (RJ)

1551 – Santa Casa de Vitória (ES)

1599 – Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SP)

1602 – Santa Casa de Misericórdia de João Pessoa (PB)

1619 – Santa Casa de Misericórdia de Belém (PA)

1657 – Santa Casa de Misericórdia de São Luís (MA)

1792 – Santa Casa de Misericórdia de Campos (RJ)

(*) Em que pese aparecer a Santa Casa de Misericórdia de Olinda como a mais antiga do Brasil, não existe documentação oficial que comprove ter sido esta a data da sua fundação. Portanto, oficialmente a de Santos é considerada a primeira do Brasil.

 

 

Uma história que merece ser contada

O tema dos 500 anos do Descobrimento irá concentrar as atenções de todos os segmentos da sociedade até o final do ano 2000. Neste processo de (re)descobrir e (re)pensar a história de nosso país, assume relevância indiscutível o papel desempenhado pelas instituições denominadas “santas casas de misericórdia”, uma das primeiras heranças da colonização portuguesa, quase tão antigas quanto a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manual. A primeira santa casa do mundo foi criada em 15 de agosto de 1498, em Lisboa, tendo patronesse a rainha Leonor de Lencastre, originando a “Confraria de Nossa Senhora de Misericórdia”. Neste mesmo ano, foram fundadas dez filiais, sendo oito em Portugal e duas na Ilha da Madeira. No Brasil, em 1539, surgia a Santa Casa de Misericórdia de Olinda. Aqui, no Estado, a Santa Casa de Porto Alegre, fundada em 1808, é a mais antiga instituição filantrópica da área da saúde. Hoje, são 16 santas casas gaúchas.

A preocupação com a situação dos enjeitados e marginalizados foi a origem da fundação das santas casas de misericórdia, em 1498, em Portugal, e em 1539, no Brasil (Olinda, Pernambuco). Sendo assim, surgiram com função muito mais assistencial do que terapêutica. Davam atendimento aos pobres na doença, no abandono e na morte. Eram abrigados, além dos enfermos, os abandonados e marginalizados (crianças e velhos), os excluídos do convívio social, como os criminosos doentes e dos doentes mentais.

As misericórdias brasileiras, por regerem-se pelos estatutos das instituições portuguesas congêneres, não fugiam à regra e, até o final do século XIX, desempenharam tais funções. Cabe destacar que, na maioria dos continentes e países onde foram fundadas, as misericórdias se anteciparam às atividades estatais de assistência social e à saúde. No Brasil, e em alguns outros países, também foram as criadoras dos cursos de Medicina e Enfermagem, como é o casa daquelas fundadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Porto Alegre.

Foram, ainda, anteriores, ao próprio Estado Brasileiro, criado através da Constituição Imperial de 25 de março de 1824. Aí, já haviam sido fundadas as Santas Casas de Olinda (1539); Santos (1543); Salvador (1549); Rio de Janeiro (1582); Vitória (1551); São Paulo (1599); João Pessoa (1602); Belém (1619); São Luís (1657), e Campos (1792).

Em nosso país, a atuação destas instituições apresentou duas fases: a primeira compreendeu o período de meados do século XVIII até 1837, de natureza caritativa; a segunda, o período de 1838 a 1940, com preocupações de natureza filantrópica.

A filantropia distingue-se da caridade pelos seus objetivos. A fim de tornar a ajuda útil àqueles que dela necessitam, os filantropos acreditam ser necessário mudar-lhes a natureza, dar mais conselhos do que bens. É preciso não só recolher as pessoas, mas dar-lhes conselhos que promovam o reerguimento da família em, consequentemente, da sociedade. Portanto, ao assistir enjeitados e marginalizados, há a preocupação com o destino destes indivíduos, em torná-los úteis à sociedade. Assim, a caridade cede lugar à filantropia.

A filosofia que gerou as Misericórdias tem papel importante na sociedade rio-grandense. Acompanhando a instalação da primeira instituição hospitalar de Porto Alegre, é possível entender como foi o processo da assistência saúde/doença em nosso Estado.

 

Fundação

O Irmão Joaquim Francisco do Livramento chegou à Vila de Porto Alegre, na segunda metade do século XVII, depois de haver percorrido as Capitanias do Brasil Colônia pregando a caridade e fundando instituições. Em 1776, constata que a vila habitada por 1500 pessoas libertas não possuía uma casa onde os doentes e pobres pudessem sarar suas enfermidades. Como cabia ao Rei de Portugal autorizar a instalação de hospitais da Santa Casa em suas colônias, o religioso compareceu a uma sessão da Câmara Municipal e propôs a criação de um hospital em Porto Alegre. Na sessão do dia 3 de abril de 1802, foi redigido o atestado dirigido ao Príncipe Regente Dom João VI, solicitando a licença para a construção e mencionando que as custas seriam do próprio povo, mediante recolhimento de “esmolas”. No dia 14 de maio de 1803, foi expedido o Aviso Real, dirigido ao governador Paulo José da Silva Gama, com a resposta favorável da Corte. A Câmara reuniu-se no dia 19 de outubro de 1803, data que passou a ser a da fundação oficial da Santa Casa de Porto Alegre.

As duas primeiras enfermarias da Santa Casa de Porto Alegre demoraram mais de 20 anos para serem concluídas, sendo finalmente inauguradas no dia 1º de janeiro de 1826. A mesa administrativa da instituição é mantida pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, formada por irmãos leigos, pessoas de elevado nível econômico e cultural com projeção social, e religiosos que têm papel importante no atendimento espiritual aos doentes. No primeiro ano de funcionamento, são encontrados três funcionários: o enfermeiro Joaquim José Cardoso e os auxiliares Bernardo José de Abreu e Maria Joaquina Vazconcellos, e atuam como médicos o cirurgião-mor Ignácio Joaquim de Paiva e o Visconde de São Leopoldo. As obras do Hospital de Caridade da Santa Casa de Porto Alegre são concluídas em 1844.

 

Evolução

A partir da metade do século XIX, a preocupação com a cura passa a receber maior valorização por parte dos dirigentes da Irmandade da Santa Casa de Porto Alegre, quando, então, é priorizada a melhoria das condições hospitalares e o desenvolvimento científico do trabalho médico. Essa reestruturação gera novas mudanças: entregar a administração interna do hospital a quem lá permanecesse em tempo integral.

Assim, as irmãs da ordem de São Francisco, da Alemanha, assumem a direção do hospital (1872), desempenhando funções administrativas, de enfermagem, cozinha, costura e lavanderia. A disciplina do hospital evidencia-se não só no acompanhamento sistemático dos enfermos mas, também, na organização de um sistema de registro permanente de ocorrências dentro da instituição: são anotados os dados de entrada e saída dos enfermos. Embora já existisse anotações nos Livros de Registros Gerais dos Enfermos (o livro de número um é de novembro de 1843), a partir daí começam a ser sistemáticas. A atuação institucional destas religiosas é uma das primeira atividades de trabalho de enfermagem organizado em grupo de que se tem registro em Porto Alegre.

O aumento da demanda – num período de 30 anos, a população de Porto Alegre triplica, passando de 52.421 pessoas, em 1890, para 205.000 habitantes, em 1920 – produz mudanças estruturais na concepção das finalidades da Santa Casa de Misericórdia, e a instituição assistencial cede lugar à  terapêutica, ainda que vivendo da caridade e voltada para o doente pobre.

A preocupação administrativo-financeira passa a ser prioridade para manter a instituição. A Santa Casa busca de todas as formas, junto ao governo municipal e estadual obter subsídios e isenção de impostos para poder continuar suas atividades. Neste momento há o desenvolvimento científico com a criação de novos serviços e especialidades médicas.

A ampliação da área física para a constituição de novos pavilhões é uma nítida tendência à especialização no final do século XIX que passa a ser uma realidade no século XX. Também observam-se indícios de progresso e modernidade na cidade, caracterizada pela especialização, no caso da medicina, pelo início do funcionamento do Hospital São Pedro, que passa a receber doentes mentais antes tratados na Santa Casa de Misericórdia, e pela criação de novos serviços, que abre espaço para novos profissionais da saúde.

 

A Segunda, em Rio Grande

A história do atendimento à população carente, na cidade do Rio Grande, começa em 20 de novembro de 1806, quando o Padre Francisco Ignácio da Silveira toma a iniciativa de criar uma Sociedade Beneficente, com o fim de socorrer as famílias indigentes. No ano seguinte, foi feita a tentativa de construção de um prédio para servir de hospital, mas a a obra arrastou-se até 1811, quando foi paralisada por falta de recursos. Em 1825, aos moldes do que ocorria em Porto Alegre, foi disseminada a idéia de criação de um estabelecimento para cuidar dos enfermos necessitados.

Foi em 18 de novembro de 1831, em reunião na casa de João Francisco Vieira Braga, proposta a fundação de uma Sociedade de Beneficência para prover ao tratamento dos enfermos pobres; cuidar da educação dos expostos, órfãos e filhos de pais pobres; tomando a seu cargo dar andamento ao processo dos desvalidos; casar as meninas pobres; educar e instruir mulheres de vida dissoluta, facilitando-lhes os meios de viverem honestamente pelo seu trabalho; socorrer as pessoas que as vicissitudes da fortuna têm feito cair em desgraça, e, sendo possível, criar um recurso segura para as mulheres grávidas desamparadas ou destituídas dos meios necessários para seu tratamento. Voltar-se finalmente, a tudo quanto pudesse concorrer para o aperfeiçoamento da ilustração e moral pública. Era um programa amplo e semelhante ao das Irmandade da Misericórdia, como haviam em Portugal e na Corte.

Essa Sociedade de Beneficência sucedeu o Hospital de Caridade e Sociedade Beneficente fundada em 1806 pelo padre Francisco da Silveira e viria a ser transformada em Irmandade do Espírito Santo e Caridade, futura Santa Casa de Misericórdia e Associação de Caridade Santa Casa do Rio Grande. Em princípios de 1835, com a criação da Irmandade do Espírito Santo e Caridade e mediante o recebimento de doações, é adquirido um sobrado na rua do Comércio (hoje Coronel Sampaio) e eleita a primeira mesa administrativa. Em 02 de maio de 1841, a Irmandade se transforma na Santa Casa de Misericórdia. Em dezembro do ano seguintes, a Câmara Municipal transfere à instituição a tarefa de “tomar conta dos expostos (enjeitados), seus bens móveis e semoventes ou de raiz, para os tratar e administrar, segundo o sistema da Santa Casa de Porto Alegre”.

A guerra civil de 1835 (Revolução Farroupilha) trouxe extraordinário número de pacientes para a Santa Casa, de tal forma que foram instaladas novas enfermarias no andar térreo do sobrado, antes ocupado por um armazém. Em 13 de novembro de 1846, a Santa Casa recebe a visita da família imperial e uma doação de dez contos de réis de Dom Pedro II e um conto e duzentos mil réis de D. Teresa Cristina. Quatro anos depois, no mês de fevereiro, é lançada a pedra fundamental do novo hospital da Misericórdia do Rio Grande. Neste ano, foram atendidas 627 pessoas no hospital. Era um volume considerável para a população da época.

 

A terceira, em Pelotas

A Santa Casa de Misericórdia de Pelotas possui circunstâncias sócio-políticas especiais na conjuntura de sua criação. A idéia começou a germinar em 1840, quando assolava o Rio Grande do Sul a Revolução Farroupilha. As razões eram óbvias: tornara-se difícil o atendimento domiciliar e imprescindível um hospital que atendesse, especialmente, a indigentes, e, eventualmente, a particulares; crescera o número de moléstias, em parte devidas à desnutrição pela miséria conseqüente da Revolução, e a população necessitava atendimento clínico e cirúrgico, já contanto a cidade com 6.237 habitantes. A intenção era criar uma instituição nos moldes daquela que, 348 anos antes, fora fundada em Lisboa, sob o nome de Irmandade da Santa Casa de Misericórdia. Recuperada Pelotas dos danos da guerra, em 1846, o plano foi concretizado.

A primeira iniciativa foi a instalação de uma enfermaria em um armazém de rua Alegre (atual Gonçalves Chaves), para tratar dos enfermos carentes, que morreriam em desamparo, ou que a polícia remeteria para o Hospital de Rio Grande, onde chegavam sem vida. O primeiro médico a atender os pacientes na improvisada enfermaria foi o Dr. João Jacinto Mendonça. Em 04 de janeiro de 1846, foi realizada a primeira reunião com o objetivo de fundar o projetado hospital. Compareceram os mais significativos representantes da então pequena comunidade, sendo constituída a Irmandade e sua mesa administrativa para reger os destinos da fututra instituição. No entanto, por 17 meses, a iniciativa ficou adormecida.

A verdadeira data de fundação da Santa Casa foi o dia 20 de junho de 1847. Um mês depois tomou posse nova mesa administrativa composta por pessoas de alta estima e prestígio social na cidade e de posição econômica privilegiada, brasileiros e portugueses filhos adotivos do Brasil. Em novembro de 1847, foi alugado um armazém de propriedade do provedor José Rodrigues Barcelos para sediar o hospital, além de terrenos vizinhos. No dia 19 de março de 1848, a Irmandade da Santa Casa abriu solenemente as portas à comunidade desvalida com o nome de Hospital São João. O primeiro paciente internado foi um baiano de 27 anos, indigente, de nome José Maria da Rosa. A partir daí, chegavam cada vez mais enfermos. A despesa já estava entre quatrocentos e quinhentos mil réis e aumentaria com o recebimento dos “expostos”. Desde o início da instituição, começaram a chegar os “expostos”, crianças abandonadas na porta. Traziam enorme despesa, pois cresciam em número e as amas encarregadas de cuidá-las  ganhavam dezesseis mil réis mensais. Não possuindo rendimentos, a Santa Casa contava com auxílio da população de Pelotas para socorrer enfermos indigentes.