Os cigarros eletrônicos não têm garantia de segurança comprovada, segundo a diretora da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) Cristiane Jourdan, que supervisiona uma repartição especializada em tabaco no órgão. As conclusões integram um relatório feito pela agência neste mês.
“Não existem ainda dados suficientes de evidência, de eficácia e segurança do produto” Cristiane Jourdan, diretora da Anvisa
A médica endocrinologista e advogada deve deixar a direção da agência em julho, mas trava uma briga para se manter no cargo até 2025. O novo diretor assumirá sua função.
“Você só aprova uma vacina se existem dados suficientes de eficácia e segurança. Isso também funciona para o DEF [dispositivos eletrônicos para fumar]. No momento inicial [em 2009], ele foi proibido porque não haviam dados suficientes de segurança e de eficácia. Hoje, eu entendo que ainda não existem esses dados suficientes”, afirmou ela em entrevista ao UOL.
Apesar disso, a diretora não assegurou que a Anvisa vá manter a proibição aos cigarros eletrônicos e dispositivos de tabaco aquecido. Para complementar o relatório feito pelos técnicos, a agência vai receber novas informações técnicas e científicas sobre o tema.
As fabricantes de cigarros Phillip Morris Brasil (PMB) e a Japan Tobacco International (JTI) defendem os dispositivos eletrônicos para fumar. A Phillip Morris diz que há “certificações de segurança emitidas pelos órgãos de fiscalização” dos 71 países em que vende o seu produto, uma opção para “15,3 milhões de adultos que decidiram abandonar o cigarro em todo o mundo”. A JTI disse que libera seus produtos aos consumidores “somente depois de passar por um exame minucioso”
Uso do produto está disseminado entre jovens
A nova decisão da Anvisa deve demorar. Em 2019, foi aberto um processo para rever a proibição, feita em 2009 e em vigor apesar do uso de cigarros eletrônicos pelas ruas e até de “propaganda” em redes sociais. Para Cristiane, o uso de cigarros eletrônicos está disseminado entre os jovens — inclusive são promovidos por influenciadores, de forma ilegal. O prazo inicial que a agência anunciou para resolver a questão era o final de 2021, mas pode haver até uma consulta pública antes da votação dos cinco diretores da Anvisa.
Como o UOL mostrou, apenas a indústria de cigarros Philipp Morris investiu US$ 8 bilhões (o equivalente a quase R$ 400 bilhões) no produto IQOS, um dispositivo com tabaco aquecido. A empresa enviou lobistas profissionais e ex-políticos para conversar com funcionários da agência, inclusive Cristiane Jourdan, em meio a mudanças na gerência de tabaco do órgão.
Cristiane Jourdan afirma, porém, que as alterações não têm relação com a presença das empresas em audiências na agência. Segundo a diretora, ela trocou a gerente de tabaco porque precisava de uma pessoa de sua confiança na área, Luiz Viamonte, e que é um dos criadores da área de controle de cigarros da Anvisa.
Durante a conversa com o UOL, a médica também se manifestou sobre o uso da cloroquina no combate da covid-19. Segundo Cristiane Jourdan, dois anos depois da pandemia, não se provou até hoje que o medicamento e a ivermectina funcionam contra o coronavírus — a OMS (Organização Mundial da Saúde) afirma que os remédios são ineficazes para tratar a doença. No início do ano passado, a médica chegou a ser apontada como defensora da cloroquina, o que ela nega ser.
Cigarro eletrônico pode causar infarto
Entidades médicas alertam para o risco de o cigarro eletrônico causar infarto e síndrome coronariana. O equipamento gera partículas ultrafinas que conseguem ultrapassar a barreira dos alvéolos pulmonares e ganhar a corrente sanguínea, fazendo o corpo reagir com uma inflamação, que, quando ocorre nas artérias pode provocar uma lesão e resultar em problemas cardíacos graves, segundo Jaqueline Scholz, especialista da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) em ações contra o tabagismo.
A síndrome coronariana é um conjunto de sinais e sintomas relacionados à obstrução de uma artéria coronária que pode ser causada por um infarto ou por uma angina instável. É sempre uma emergência médica.
Os cigarros eletrônicos expõem o organismo a uma variedade de elementos químicos gerados de formas diferentes. Uma pelo próprio dispositivo (nanopartículas de metal). A segunda tem relação direta com o processo de aquecimento ou vaporização, já que alguns produtos contidos no vapor de cigarros eletrônicos incluem carcinógenos conhecidos e substâncias citotóxicas, potencialmente causadoras de doenças pulmonares e cardiovasculares.
O efeito protetivo que se imaginava que o cigarro eletrônico pudesse ter, não se confirma. Em países que adotaram esses produtos, há um crescente aumento de eventos cardiovasculares na população abaixo de 50 anos.
Fabricantes defendem legalização
O UOL procurou a Abifumo (Associação brasileira da Indústria do Fumo), que repassou o caso às suas três associadas, a British American Tobacco Brasil (BAT Brasil), que sucedeu Souza Cruz, a Phillip Morri Brasil (PMB) e a Japan Tobacco International (JTI).
A assessoria da Phillip Morris destacou que seu produto eletrônico para fumar não é um cigarro eletrônico, mas um mecanismo de tabaco aquecido. “A ausência de combustão e de fumaça reduz a quantidade de compostos tóxicos na comparação com o cigarro”, afirmou a empresa, fabricante do IQOS, considerado por ela um “produto de risco reduzido”.
“A expectativa é que esse produto também possa estar à disposição dos 20 milhões de adultos fumantes brasileiros, para que possam contar com alternativas menos tóxicas que o cigarro” Nota da Phillip Morris
A antiga Souza Cruz, a BAT Brasil, não prestou esclarecimentos.
A JTI afirmou que defende medidas de segurança para os produtos. “A empresa desenvolveu um programa abrangente e contínuo de testagem de produtos para que se tenha conhecimento exato do que entra e o que sai deles”, afirmou, em nota. “Isso inclui testes extensivos sobre os elementos químicos do vapor e de toxicologia de ingredientes, aplicando padrões de teste internacionalmente reconhecidos por órgãos reguladores e de saúde pública.”
A fabricante defende a legalização dos cigarros eletrônicos e diz que eles não viciam mais do que os comuns. “Não há qualquer evidência que sejam mais viciantes que os cigarros convencionais dado que a nicotina está presente em ambos os produtos, sejam eles convencionais ou eletrônicos”, disse a assessoria da JTI.
Segundo a empresa, o uso dos cigarros eletrônicos é “corrente” com o mercado ilegal e sem controle sanitário.
“A regulamentação vigente não tem se mostrado efetiva, visto que não há fiscalização que consiga coibir a comercialização e o uso desses produtos” Assessoria da Japan Tobacco International.
Fonte: UOL Notícias