O Estadão publicou artigo do presidente da CMB, Mirocles Véras, no qual ele fala sobre a tarefa hercúlea do gestor hospitalar na pandemia. Além da assistência direta, com médicos, enfermeiros e diversos outros profissionais de saúde em contato direto com os pacientes, existe o desafio operacional que coloca à prova os gestores, todos também na linha de frente, administrando o caos.
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O gestor hospitalar na linha de frente
No meio da maior crise sanitária mundial dos últimos 100 anos, aqui no Brasil se tornou comum a referência à “linha de frente do combate à Covid”, em um misto de descoberta e reconhecimento às mulheres e homens responsáveis por cuidar da saúde da população. É justo. Esses profissionais sustentam uma estrutura enorme que, há meses, está sendo pressionada além da sua capacidade operacional. Ninguém estava preparado para o que estamos enfrentando, mas a linha de frente continua lá, no lugar em que sempre esteve, em frente aos desafios. De onde não vai sair.
A tarefa é hercúlea e impõe novos obstáculos diariamente em grau sempre crescente de dificuldade até aqui. Além da assistência direta, com médicos, enfermeiros e diversos outros profissionais de saúde em contato direto com os pacientes, existe o desafio operacional que coloca à prova os gestores, todos também na linha de frente, administrando o caos.
No caso dos hospitais filantrópicos, desde antes da pandemia sobrevivendo com o balanço no vermelho, a batalha diária é para manter as portas abertas. Sobretudo nas últimas semanas, quando a cadeia de fornecimento entrou em colapso total, não é mais possível ter certeza se as unidades serão capazes de prestar os serviços no dia seguinte.
Há uma escassez generalizada de insumos para tratamento da Covid e o que está disponível custa várias vezes mais do que custava há alguns meses. Lembrando que muitos desses materiais também são utilizados na assistência a outras doenças, desde luvas descartáveis até respiradores. Junta-se a isso o descontrole total na propagação do vírus, o que torna impossível estimar a procura por atendimento, ou seja, o hospital “abre as portas” sem saber quantos pacientes vão chegar no pronto-socorro. Com isso, a dúvida para o gestor na cadeia de suprimentos é nas duas pontas, na oferta e na demanda. A única certeza é que o dinheiro não vai dar.
Tudo isso é muito grave, quase insuportável, mas ainda assim muito pouco perto da condição das pessoas, que são o coração de um hospital. A demanda assistencial superou, de longe, o volume de profissionais qualificados para as funções, sobretudo com tantos deles doentes e impossibilitados de trabalhar. E os que permanecem em ação estão muito além do seu limite.
As equipes assistenciais estão fazendo mais do que podem com menos do que precisam. Seria inacreditável se não acontecesse todos os dias. Para o gestor, essa é a maior preocupação, atualmente uma angústia. Como oferecer o necessário para que os bravos continuem praticando o impraticável? Até quando o extraordinário vai acontecer todos os dias?
Hoje, a realidade do gestor é essa. Acordar todos os dias com disposição para fazer funcionar uma operação que, pela lógica, não tem como funcionar. Seria impossível sair da cama sem a confiança nas pessoas ao seu lado, atributo desde sempre mais importante nessa engrenagem e atualmente quase tudo o que resta, ao lado do incondicional compromisso de toda essa gente com a saúde do brasileiro.
A capacidade de superação da linha de frente nos eventos de 2020/21 vai entrar para a história. Para sempre, essas mulheres e homens serão lembrados como responsáveis pela tragédia não ser ainda maior, operando além das suas forças. Entre eles, é claro, o gestor hospitalar.