O ano de 2025 tende a ser um período desafiador para o setor de tecnologia. De acordo com uma previsão do Google for Startups em parceria com a Associação de Startups, haverá um déficit de 530 mil profissionais no próximo ano. A estimativa contrasta com um cenário de crescimento da demanda, especialmente com o avanço da inteligência artificial (IA) e da digitalização e transformação de empresas.
Essa realidade também é refletida por líderes de empresas e gestores de RH da área entrevistados pelo Canaltech, que compartilham o mesmo ponto: a demanda será grande para um segmento com poucos profissionais capacitados para as necessidades do próximo ano. E mais: será preciso adaptar as empresas para qualificá-los.
Falta de qualificação e alta demanda em 2025
A falta de qualificação será uma grande questão diante da alta demanda por profissionais nos setores de TI em 2025, segundo o relatório trimestral da Advanced Consulting. Esse desafio também é destacado por lideranças da indústria.
É o caso da diretora de recursos humanos da TOTVS, Renata Souza. Para ela, esse é um fator que tira o sono das companhias para os próximos anos, especialmente ao considerar que vagas seniores são as mais difíceis de preencher.
“Quando há a necessidade de um profissional de nível técnico ou júnior é possível suprir com mais facilidade. Agora, quando o nível de senioridade sobe, a lacuna aumenta”, explica.
As vagas seniores do setor exigem uma maturidade maior na carreira que conta com anos de experiência no cargo ou áreas correlatas. Assim como um domínio maior de ferramentas, linguagens de código e outros programas que são necessários para executar as atividades do dia a dia. Esses cargos exigem também uma capacidade de liderança de equipe.
Já cargos juniores são para profissionais em início de carreira, que executam atividades com menor complexidade e ainda precisam de supervisão de um profissional mais experiente durante a jornada de trabalho. Destes profissionais, também é exigido um nível de experiência e entendimento da área, mas ainda menor do que um profissional sênior.
A IA é outro elemento que requer atenção por parte dos gestores. O chefe de tecnologia da Zendesk, Walter Hilderbrandi, avalia que o déficit que já existia irá aumentar em 2025 por conta da inteligência artificial.
O executivo observa que, para além das habilidades, a IA irá demandar até mesmo outras profissões, como engenheiros de prompts, por exemplo.
Frente ao déficit, ainda há uma perspectiva de crescimento para o segmento: o relatório também trouxe uma expansão de 22% no setor no segundo trimestre deste ano.
Para o gerente de desenvolvimento de tecnologia do Senac São Paulo, Rodrigo Galhardo, o crescimento é impulsionado pela digitalização das empresas, aplicação de soluções baseadas em nuvem e pela necessidade de transformação digital dos setores.
IA e profissões mais demandadas em 2025
A inteligência artificial vai moldar o futuro do setor. O chefe de educação, treinamento e certificação da Amazon Web Services (AWS) na América Latina, Fábio Filho, observa que a onda da inteligência artificial é similar com a que aconteceu com o cloud computing: “A nuvem acelerou a criação de novas funções e até mesmo a mudança de funções”, explica.
Assim, quando perguntados pela reportagem quais serão as profissões mais demandadas no mercado para 2025, os especialistas elencaram as seguintes posições:
- Especialistas em IA;
- Profissionais de nuvem (engenheiros, analistas);
- Profissionais de segurança da informação.
Esses cargos refletem as maiores necessidades do mercado atualmente, tanto para atuar diretamente nessas frentes quanto para treinar outros profissionais dentro das organizações.
Apesar dos desafios, os líderes ainda realçam um sentimento positivo para 2025, mas destacam que a alta demanda de profissionais qualificados deve ser suprida a partir de treinamentos e qualificação de talentos já adquiridos e de novas contratações, logo no início do trabalho.
Outro ponto levantado é na questão de aquisição de novos talentos provindos da geração Z. Souza alerta que, em 2025, esse grupo será a maior parte da mão de obra das empresas. “Essa geração tem novas demandas, assim, as organizações precisam se preocupar em promover novas habilidades”.
Como solucionar o déficit?
Para conseguir suprir a demanda de profissionais, muitas empresas investem “programas de aceleração” que focam em capacitar colaboradores em novas ferramentas e habilidades em menor tempo.
A empresa de tecnologia Atos, por exemplo, conta com uma agenda de capacitação interna. Segundo a líder de RH Patrícia Estima, a empresa de tecnologia criou programas para quem está iniciando a carreira e profissionais seniores. O pontapé veio a partir da necessidade de novos colaboradores.
“Iniciamos esses programas em 2019. Desde lá formamos mais de 1.800 pessoas e a taxa de retenção e contratação de colaboradores ficou em 75%”, explica.
Para além da capacitação interna, empresas que oferecem cursos em tecnologia vêm aumentando a demanda de turmas e matrículas nos últimos anos.
Dados internos do Senac São Paulo indicam um crescimento de 20% na matrícula em cursos de desenvolvimento de softwares e correlatos em 2024. “Outros cursos altamente procurados são design de UX/UI e gestão ágil de projetos”, explica Galhardo.
O CEO da plataforma de cursos online DIO, Iglá Generoso, ressalta que, para capacitações, o desenvolvimento de software é um dos setores mais buscados dos programas da empresa.
“Vemos desde iniciantes motivados pela alta demanda até profissionais em transição de carreira interessados em aprender linguagens modernas e metodologias ágeis”, conta.
A alta demanda pela capacitação em tecnologia também é observada pelo Relatório de Habilidades Globais 2024 divulgado pela plataforma de aprendizagem online Coursera: o levantamento mostra que houve um aumento de 1.000% nas matrículas em cursos de inteligência artificial.
Diversidade ainda está em falta
As ações para suprir a demanda vão além das capacitações por si só e chegam ainda na necessidade de diversidade do setor: dados da Brasscom revelam que apenas 39% dos empregos na área de TIC são ocupados por mulheres. O crescimento é ainda mais tímido quando se fala de cargos ocupados por mulheres negras, com um salto de apenas 1,5%, chegando a cerca de 215 mil profissionais em 2024.
No total, três em cada dez profissionais do setor são negros.
No que diz respeito a pessoas com deficiência (PcD), o avanço é ainda menor: em junho, uma pesquisa da Brasscom indicou uma presença de 0,8% desses profissionais no setor. Além disso, apenas 2,4% dos cargos são ocupados por colaboradores com mais de 57 anos.
Bianca Ramalho, de 32 anos, trabalha como desenvolvedora Fullstack, especialista que participa de todas as etapas do desenvolvimento de software, em uma companhia brasileira do ramo. Com uma experiência superior a três anos, ela destaca que continua sendo a única mulher em sua área e observa que, mesmo após mudar de carreira, os desafios para as mulheres no campo permanecem constantes.
“Para estar onde eu estou eu tive que me provar três vezes mais que os homens que ocupam o mesmo cargo”, relembra.
A desenvolvedora abandonou a formação em biomedicina para entrar na área de tecnologia. Ela explica que o ambiente mudou de um lugar mais feminino para outro completamente masculino.
Giovanni Silva (26) é um desenvolvedor júnior em uma outra empresa de software e conta que, em sua experiência, sempre foi o único homem negro na equipe. “Hoje, eu acredito que há mais vagas que não sejam apenas para homens cis brancos. No meu time, atualmente, há mais quatro mulheres”, conta.
A chefe de RH da TOTVS, Renata Souza, ressalta que só será possível evoluir, perpassar ou melhorar essa situação a partir do momento que as empresas começarem a falar sobre o assunto, que é um fato consolidado no setor.
Ela acrescenta que ações de aceleração e capacitação para esses grupos serão ainda mais necessárias em 2025 para impulsionar e conseguir suprir a demanda do mercado.
Há perspectiva também fora do país
A BEON.tech é especializada em empregar profissionais de tecnologia da América Latina em cargos nos Estados Unidos. Os cofundadores Michel Cohen e Damien Wasserman apontam o Brasil como o país com mais contratados nos EUA através da plataforma da empresa.
“Apesar de ter um mercado ainda muito local e mais fechado. Vemos muitos profissionais brasileiros abertos a experiências fora do país e eles são desejados pelas empresas e startups neste e nos próximos anos”, disse Damian.
É o caso da paraibana Vitória Milanez (28), que hoje trabalha com certificação de qualidade para uma parceira da BEON.tech. “Sou formada em engenharia de produção e fui atrás de capacitações para a posição que ocupo hoje e que é muito demandada. Com acompanhamento e capacitações internas quero alcançar liderança de equipe futuramente”, conta.
Fonte: Canaltech