Com apenas 8,99% dos hospitais acreditados, o Brasil avança lentamente na busca por excelência e segurança na saúde. Saiba quais são os principais desafios nesta jornada
O cenário da acreditação no Brasil tem se mostrado cada vez mais relevante para o setor saúde, impulsionado por demandas de melhoria contínua na qualidade dos serviços prestados e pela necessidade de garantir segurança ao paciente. O país possui cerca de 6.805 hospitais, dos quais 612 são acreditados, representando 8,99% do total. Entre esses, 425 são certificados pela Organização Nacional de Acreditação (ONA).
Considerando o tipo de gestão, aproximadamente 57% dos hospitais acreditados pela ONA são privados, 21% são públicos, 19% são filantrópicos e 2% se enquadram em outros tipos de gestão ou não informados. Cerca de 70 organizações de saúde brasileiras são acreditadas pela Joint Commission International (JCI) – uma instituição internacional -, sendo que 70% são hospitais. Há ainda outros órgãos, como a Accreditation Canada.
No Brasil, a acreditação segue um modelo voluntário e se destaca por avaliar diferentes perfis, tamanhos e complexidades de organizações de saúde desde a atenção primária, secundária e terciária. Mas seu avanço ainda é considerado lento pelos especialistas.
“A acreditação no Brasil avança ainda com moderada velocidade. Considerando o número total de hospitais existentes no país, temos uma parcela muito pequena que se submete a essa avaliação externa”, comenta Helidea Lima, diretora de Qualidade Assistencial da Rede D’Or e coordenadora do Grupo de Trabalho de Melhores Práticas Assistenciais da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
Existem diversas instituições acreditadoras, nacionais e internacionais. Segundo Cristiane do Valle, vice-presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), a ONA é a única metodologia nacional estruturada de acordo com a realidade do sistema de saúde do Brasil, considerando a complexidade, porte, perfil, características regionais e níveis de atenção primário, secundário e terciário.
Poucas instituições são acreditadas, mas a tendência é de crescimento
Há um crescimento no número de instituições acreditadas, impulsionado por exigências de clientes, operadoras de saúde e pelo próprio mercado, que busca diferenciação pela qualidade e eficiência.
“O panorama da acreditação hospitalar no Brasil tem se mostrado cada vez mais promissor nos últimos anos. Com a maior conscientização sobre a importância da qualidade no atendimento à saúde, muitas instituições têm buscado a acreditação como um diferencial competitivo e um compromisso com a excelência”, diz Mirocles Véras, presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB).
Apesar de não haver um levantamento oficial sobre o número de hospitais filantrópicos e Santas Casas que são acreditados atualmente, o portal da ONA aponta 119 resultados encontrados no perfil gestão filantrópica. “Um bom número, porém, ainda pequeno, diante das 1.814 instituições filantrópicas de saúde. Mas sabemos que a acreditação está no planejamento de muitas dessas instituições”, destaca Véras.
O executivo acredita que os hospitais estão se conscientizando sobre a importância da acreditação não apenas como um selo de qualidade, mas também como uma forma de garantir a confiança da população e dos parceiros. Além disso, a acreditação tem se mostrado um diferencial competitivo que pode ajudar na captação de recursos e na ampliação do atendimento à população.
O fato é que o Brasil está vivenciando um momento de maior procura pelo sistema de acreditação, com um aumento significativo no número de novas instituições certificadas. Em 2023, o crescimento da ONA, por exemplo, foi de 17%, superando a média histórica de crescimento anual desde 2020.
Ana Maria Saut, gestora técnica da ONA e instrutora em cursos de pós-graduação da Fundação Vanzolini, uma das instituições acreditadoras credenciadas pela ONA no Brasil, conta que, no primeiro semestre de 2024, foram registradas 176 novas certificações, em comparação com 96 ao longo de todo o ano de 2023.
“Esse fato demonstra o contínuo interesse das instituições de saúde em aderir aos padrões de qualidade e segurança exigidos pela acreditação. O aumento foi impulsionado por iniciativas como o projeto Avança Saúde, que certificou 276 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) no município de São Paulo entre agosto de 2023 e junho de 2024.”
Acreditação no Brasil e no mundo
Segundo dados do relatório Desafios de qualidade em saúde no Brasil, publicado em 2022 pela Anahp, a acreditação faz parte da gestão da saúde em quase 100 países, no entanto, o processo tem particularidades nas diversas regiões.
Na França, é obrigatório desde 1996 e serve como uma ferramenta de controle dos serviços, além dos propósitos originais. O National Health Service (NHS), da Inglaterra, utiliza a acreditação como base para uma política de melhoria contínua do sistema, inclusive com padrões específicos para unidades de baixa complexidade.
No Líbano, o governo emprega o processo como ferramenta para a regulamentação da assistência. Já a China adota a obrigatoriedade nos hospitais universitários como forma de garantir a formação de profissionais qualificados. Na Tailândia, o programa de acreditação, implantado em 1997, foi uma resposta bem-sucedida às dificuldades que os hospitais do país enfrentaram durante a crise econômica asiática.
“Quando comparamos o Brasil a outros países, podemos considerar que estamos bem. Avaliando dados de hospitais acreditados pela JCI no mundo, por exemplo, a Espanha possui apenas 3,24% dos hospitais acreditados por essa metodologia; Portugal, 1,23%; México, 1,08% e Colômbia, 0,77%, sendo que o Brasil aparece na terceira posição, com 8,63% do total dos hospitais acreditados”, diz Helidea.
Nos Estados Unidos, a Joint Commission, junto à Joint Commission International (programa voltado para o exterior), certificou mais de 23 mil instituições em mais de 70 países. No Canadá, a Accreditation Canada certificou mais de 12.500 organizações em mais de 40 países.
Embora o Brasil enfrente desafios, como a concentração de instituições acreditadas na região Sudeste (71% do total), o crescimento em diversas áreas de saúde, como Atenção Primária e serviços de diagnóstico, está ampliando o alcance da acreditação no país.
“Além do crescimento no número de instituições acreditadas, destaca-se a evolução na maturidade dos sistemas de gestão. Atualmente, 521 instituições no Brasil são acreditadas no Nível 3 – Acreditado com Excelência, da ONA, representando 42,2% do total de acreditações. Esse nível de maturidade reflete a capacidade dessas instituições de manter padrões elevados de qualidade e segurança de forma consistente ao longo do tempo”, destaca Ana Maria.
Desafios a serem vencidos na jornada da acreditação
As instituições hospitalares, tanto públicas quanto privadas, enfrentam desafios substanciais ao buscar a acreditação. A preparação pode demandar mudanças estruturais, culturais e de gestão.
O maior desafio para a maioria das instituições é mostrar aos profissionais o propósito da certificação. “Um dos fatores que dificultam o processo é a falta de estrutura adequada para atendimento aos padrões, incluindo áreas físicas e equipamentos. Hospitais que não conseguem manter suas estruturas atualizadas terão que fazer ainda mais investimento para conseguirem a acreditação”, analisa Helidea.
Ela ressalta ainda a importância de avaliar a necessidade de fortalecer o cuidado interdisciplinar e centrado no paciente, além da cultura de aprendizado com a identificação dos eventos adversos como fundamentais nos desafios do processo da acreditação.
“Vejo como um dos principais obstáculos frente à obtenção da acreditação a adaptação aos rigorosos padrões de qualidade e segurança exigidos pelos organismos acreditadores. Isso muitas vezes requer investimentos em infraestrutura e formação de pessoal e implementação de novos protocolos, o que pode ser um desafio, especialmente para instituições que já operam com recursos limitados”, opina Véras. Vale lembrar que o processo de acreditação pode envolver custos diretos (taxas de avaliação, investimentos em infraestrutura, treinamentos, entre outros) e indiretos (tempo e recursos humanos dedicados à implementação) significativos.
Outro desafio apontado por ele é a necessidade de documentação e rastreabilidade de processos. “Muitas instituições podem ter dificuldades em manter registros adequados e evidências que demonstrem conformidade com os padrões exigidos. Superar esses desafios é essencial para que possamos melhorar continuamente a qualidade do atendimento”, comenta.
Na opinião de Ana Maria, instituições que não possuem uma área de qualidade podem ter dificuldades adicionais em organizar os processos necessários. “A criação de núcleos de qualidade é uma estratégia fundamental para garantir o desenvolvimento e a manutenção dos padrões exigidos para a acreditação.”
Oportunidades e tendências para a melhoria contínua
Entre as tendências observadas nas certificações de qualidade e segurança do paciente destacam-se a busca por acreditações reconhecidas internacionalmente, a expansão para outros níveis de cuidado além dos hospitais e a busca por certificações em áreas específicas, como oncologia.
Além disso, a demanda por certificações em gestão ambiental e segurança da informação deve crescer. Na opinião de Cristiane, a integração de critérios de sustentabilidade, visando a redução do impacto ambiental nas práticas hospitalares – o que deve ganhar cada vez mais relevância nos próximos anos -, tem surgido como tendência promissora.
“Há, no entanto, o risco de migração da acreditação para a certificação pela norma ISO 7101, lançada no final de 2023. Por ser parte das normas ISO, essa certificação pode ter um maior reconhecimento pelo mercado e facilitar a integração com sistemas de gestão em áreas como meio ambiente e saúde e segurança ocupacional”, observa Ana Maria.
Ela comenta ainda que as instituições de saúde já acreditadas devem buscar outras certificações. “As mais proeminentes na área de saúde incluem aquelas relacionadas à qualidade e segurança do paciente, gestão ambiental e segurança da informação. Essas certificações estão em destaque devido à crescente ênfase na excelência dos serviços de saúde, à visibilidade dos erros evitáveis, à necessidade de proteger os dados dos pacientes em um ambiente digitalizado e à preocupação global com questões ambientais. Além disso, elas se alinham às Metas de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidas pelas Nações Unidas, contribuindo para a promoção da saúde e bem-estar, redução das desigualdades e ação pelo clima.”
Ana Maria também ressalta a necessidade de expansão da acreditação para além dos hospitais, alcançando laboratórios e serviços de imagem como uma tendência de diversificação e consolidação da acreditação em diferentes serviços de saúde no Brasil.
Mas as oportunidades de melhoria também devem ser uma preocupação das instituições acreditadoras, acredita Helidea, com foco na manutenção da expertise dos avaliadores, que deveriam passar por processo de educação permanente e avaliação do seu desempenho para que não existam tantas diferenças na forma de avaliação dos critérios por uma mesma metodologia.
Fonte: Saúde Business