A partir das lições da pandemia e do aumento da expectativa de vida, a saúde evolui e novos espaços focados nela são criados
Com a saúde cada vez mais personalizada, digitalizada e impulsionada pela inteligência artificial, com soluções completamente integradas ao dia a dia dos pacientes, as construções e disposição das infraestruturas na saúde devem passar por uma transformação. Luz natural e vegetação, construção sustentável, robôs autônomos e bairros conectados horizontal e verticalmente são algumas das tendências da arquitetura na saúde.
Isso porque, se antes os espaços de saúde eram ambientes técnicos e assépticos, projetados para promover o tratamento e a cura de pessoas em condições adversas, com ambientes claros e esterilizados, hoje, eles estão mudando à medida que os profissionais reconhecem a importância do conforto no processo de tratamento não apenas para os pacientes, mas também para familiares e profissionais que passam a maior parte de seus dias nesses espaços.
“Há um conceito chamado de ‘hospitel’, um movimento de aproximar a experiência de hotelaria dos hospitais, equilibrando as necessidades tecno-sanitárias de espaços de saúde e o conforto e receptividade de hotéis”, explica Lara Kaiser, diretora de operações e líder de design de saúde na Perkins&Will. Segundo ela, incluir espaços com maior incidência de luz natural, vistas para o exterior, possibilidade de abrir e fechar janelas e a utilização de texturas e tecidos mais confortáveis contribuem para um tratamento mais humanizado, impactando positivamente na recuperação dos pacientes e na qualidade de vida de todos os usuários dos ambientes de saúde.
Os exemplos práticos começam a ganhar espaço até mesmo na saúde pública. Recentemente, o Ministério da Saúde anunciou o novo projeto arquitetônico para a construção de 1.800 Unidades Básicas de Saúde (UBS) com recursos de R$ 4,2 bilhões do Novo PAC. O conceito do antigo postinho de saúde do bairro está sendo transformado em unidades amplas, sustentáveis, humanizadas e acolhedoras. O projeto das novas UBS inclui espaços mais amplos, com múltiplas salas e consultórios, além de práticas sustentáveis como energia fotovoltaica e salas equipadas para teleconsultas, promovendo tanto a sustentabilidade ecológica quanto o conforto para pacientes e profissionais.
Segundo a pasta, os projetos incorporam os conceitos de edificações sustentáveis, com ventilação e iluminação naturais, uso racional de água e reuso, equipamentos de baixo consumo energético e energia renovável com captação de energia solar, além de atender premissas de acessibilidade, educação permanente em saúde e saúde digital na concepção dos projetos – como a telessaúde.
Projetando espaços de saúde
Embora a arquitetura para saúde indique algumas tendências, diversos outros fatores contribuem para essas mudanças, incluindo o aumento da população global, o envelhecimento significativo e a urbanização acelerada (mais de 85% da população no Brasil já vive em centros urbanos). Há ainda desafios como o acesso desigual a recursos, condições de higiene e alimentação. Assim, ao mesmo tempo em que é necessário desenvolver inovações tecnológicas para atender às demandas complexas da saúde e à crescente população, também é fundamental focar em ações preventivas e comportamentais, que não apenas reduzirá a necessidade por infraestrutura de saúde complexa e dispendiosa, mas também promoverá uma saúde mais sustentável e acessível a longo prazo.
Neste sentido, a arquiteta e urbanista Adriana Leviski, sócia titular do escritório Levisky Arquitetos, lembra que os hospitais do futuro devem se concentrar em alta complexidade e sofisticação tecnológica. Além disso, haverá uma expansão significativa da telemedicina e das redes de atendimento, buscando reduzir custos e ampliar o alcance dos serviços de saúde. Por isso, a arquiteta defende a necessidade de políticas públicas integradas para saúde urbana, que considerem saúde ambiental, mental e emocional: “Precisamos entender essa diversidade de ações do que é macro, do que é alta complexidade e do que é alta densidade populacional”.
Segundo ela, questões fundamentais como saúde e bem-estar ambiental, físico e mental são frequentemente negligenciadas na pressa de projetar instalações de saúde e hospitais. Além do acesso, que é crucial: se o público não consegue chegar a uma unidade de saúde devido à localização ou à falta de infraestrutura, ela pode ser praticamente inútil. Outros aspectos importantes incluem a sustentabilidade, o impacto e as oportunidades da tecnologia, bem como inovações no planejamento e gestão das instalações, com departamentos especializados.
A qualidade do ambiente, conforme algumas pesquisas realizadas em hospitais americanos, pode acelerar o processo de cura dos pacientes, resultando em uma redução considerável no tempo de internação. E não faltam exemplos. A Mayo Clinic, considerada uma das instituições de saúde de referência no mundo, recentemente compartilhou um projeto para os próximos 6 anos de uma nova forma de pensar a estrutura de atendimento de hospitais.
Amy Williams, executiva da área clínica da Mayo Clinic, disse ao Futuro da Saúde que a instituição está reimaginando a forma como utilizam o espaço num sistema de saúde transformado. A ideia é adotar um design centrado no ser humano, incorporando os elementos como luz solar, jardins de inverno e espaços públicos interligados para promover o bem-estar geral dos pacientes: “O atendimento do futuro integrará perfeitamente o atendimento hospitalar, ambulatorial e virtual para atender às necessidades de nossos pacientes antes de chegarem ao campus e depois de deixarem nossas instalações”.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o ambiente construído contribui com 19% dos fatores que influenciam a saúde e o bem-estar. No entanto, esse impacto pode ser ampliado ao considerar o projeto da Mayo Clinic, conforme descrito por Williams. “Nossos novos espaços serão infundidos com dados curados e habilitados digitalmente que darão suporte aos pacientes e fornecerão o conhecimento mais recente às equipes de atendimento em tempo real”, disse.
Desafios da arquitetura na saúde
Além de atender às normas da vigilância sanitária, um projeto deve também incorporar as demandas tecnológicas, as características regionais e a flexibilidade necessária para lidar com as variáveis epidemiológicas. Em outras palavras, há múltiplas exigências sanitárias a serem consideradas. Lara Kaiser destaca que projetos de ambientes de saúde demandam cuidados especiais para garantir a segurança de todos os usuários, especialmente das pessoas em tratamento, visando evitar a disseminação de infecções. Duas ferramentas fundamentais nesse sentido são o Evidence Based Design (EBD – Projeto Baseado em Evidências) e a Post Occupancy Evaluation (POE – Avaliação Pós-Ocupação), que fornecem bases científicas para o desenvolvimento de projetos adequados e a identificação de possíveis melhorias.
Segundo a diretora da Perkins&Will, além da construção de novos empreendimentos, é igualmente importante considerar a reutilização de edificações existentes, o que se alinha à lógica sustentável de circularidade. Um edifício atualmente destinado a fins corporativos pode ser projetado com espaços de circulação mais generosos, pés-direitos mais altos e elevadores mais amplos, possibilitando ocupações diferentes no futuro e reduzindo a necessidade de novas construções a partir do zero: “Outro exemplo que pode ser destacado é o consumo de energia elétrica, que sabemos ser o grande vilão nos ambientes hospitalares. Para tanto, a energia renovável vem sendo a melhor ferramenta para contribuir com a melhoria nos quesitos de sustentabilidade”.
Adriana Leviski lembra da importância do plano diretor urbanístico hospitalar, um documento estratégico que orienta o desenvolvimento e a gestão de um complexo hospitalar. Esse plano integra a visão estratégica do negócio de saúde com o planejamento urbano e arquitetônico, abrangendo aspectos legais, infraestruturais, tecnológicos, operacionais e recursos humanos. “Associar uma visão estratégica ao planejamento do negócio de saúde implica alinhar toda a operação hospitalar com o plano diretor hospitalar. Isso envolve implementar ajustes e inovações considerando aspectos legais, infraestruturais, tecnológicos, operacionais e de recursos humanos, em conformidade com as premissas, diretrizes e valores fundamentais da instituição de saúde”, aponta.
No Brasil, embora os planos diretores urbanísticos hospitalares tenham sido desenvolvidos há mais de 20 anos e inicialmente pouco demandados, há uma crescente tendência atual de produção desses planos. Eles têm um potencial significativo para expandir a oferta de serviços de saúde e melhorar a integração urbana, sendo ferramentas estratégicas importantes para a evolução dos serviços de saúde.
Especialmente agora, com a saúde urbana emergindo como uma prioridade urgente, esses planos proporcionam uma abordagem holística que combina o desenvolvimento hospitalar com a melhoria das relações urbanas e a oferta de serviços de saúde preventivos e assistenciais: “Essa abordagem integrada do funcionamento do equipamento de saúde junto às suas interfaces e às oportunidades de interação com o espaço urbano é o que define o plano diretor urbanístico hospitalar”, defende Leviski.
Inteligência artificial nos projetos
Nesse sentido, tecnologias emergentes como internet das coisas (IoT) e inteligência artificial (IA) estão ganhando cada vez mais espaço, porque desempenham um papel crucial ao impulsionar avanços significativos na área da saúde. Desde a automatização de tarefas até o processamento de dados, a combinação de tecnologia da informação e algoritmos inteligentes facilita a tomada rápida de decisões e intervenções mais precisas, exigindo espaços adaptados para integrá-las de forma a melhorar a experiência de pacientes, acompanhantes e equipes profissionais nos ambientes de saúde.
De acordo com a Deloitte, a IA e a tecnologia avançada de análise de dados podem trazer economias de custos de 10% a 15% para projetos de construção. Essas tecnologias também podem agilizar o processo de revisão de design e ajudar as equipes a produzir estimativas mais precisas, “reduzindo orçamentos e desvios de cronograma em cerca de 10-20% e horas de engenharia em 10-30%”. A consultoria indica que o mercado de IA na construção valerá US$ 151,1 bilhões até 2032.
“Hoje, a inteligência artificial desempenha um papel importante ao possibilitar diagnósticos mais precisos ao processar dados clínicos, imagens, exames laboratoriais e históricos de pacientes. Enquanto isso, a internet das coisas conecta dispositivos físicos a sensores, softwares e redes sem fio, facilitando mudanças físicas nos ambientes”, explica Lara Kaiser, diretora de Operações e Líder de Design de Saúde na Perkins&Will.
Um exemplo é o check-in expresso e automatizado, que resulta em reduções consideráveis das filas de espera. Na Europa, destaca-se o compartilhamento de dados dos pacientes, garantindo a agilidade e eficácia do atendimento, pois as informações são mantidas atualizadas independentemente do local da consulta. “Todos esses avanços devem ser levados em conta ao projetarmos espaços voltados para a promoção da saúde e bem-estar. Desde a construção de ambientes adequados para o atendimento remoto até o uso de sensores e atuadores, as tecnologias emergentes abrem caminhos importantes para ampliar o acesso à saúde e promover autonomia, conforto e segurança à população em geral”, defende Lara.
Fonte: Futuro da Saúde