Pesquisa levanta preocupações sobre Covid longa em crianças

Data: 16/02/2024

Uma grande análise publicada na semana passada no periódico Pediatrics destaca o impacto que a Covid longa pode ter em crianças, em alguns casos levando a sintomas neurológicos, gastrointestinais, cardiovasculares e comportamentais nos meses seguintes à infecção aguda.

“A Covid longa em adultos e crianças nos Estados Unidos é um problema sério”, diz Ziyad Al-Aly, chefe de pesquisa e desenvolvimento do VA St. Louis Health Care System e pesquisador clínico de saúde pública na Universidade de Washington em St. Louis, que estuda a condição e não participou do novo relatório.

Ele afirma que o artigo, que se baseou em diversos estudos sobre Covid longa em crianças, é “importante” e ilustra que a condição pode afetar múltiplos órgãos do corpo.

A nova revisão sugere que de 10% a 20% das crianças nos EUA que tiveram Covid desenvolveram a Covid longa. No entanto, Suchitra Rao, especialista em doenças infecciosas pediátricas no Children’s Hospital Colorado e coautora do artigo, afirma que há “muitas ressalvas” com as estimativas de prevalência usadas para chegar a esse número.

Alguns dos estudos incluídos na revisão, por exemplo, analisaram apenas a pequena porcentagem de crianças que foram hospitalizadas em decorrência da doença. Assim como os adultos, as crianças que tiveram casos mais graves têm um maior risco de sintomas persistentes ou novas complicações.

Dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças sugerem que a prevalência da Covid longa em crianças é mais próxima de 1% a 2% das que tiveram a infecção. Al-Aly afirma que, provavelmente, esse número também está na casa dos dígitos únicos em adultos.

De maneira geral, a maioria dos pais não deve se preocupar com o desenvolvimento da Covid longa em seus filhos, diz Stephen Freedman, professor de pediatria e medicina de emergência na Universidade de Calgary Cumming School of Medicine. “Não me perguntam muito, se é que perguntam: ‘Meu filho agora está em risco de desenvolver a Covid longa?’, após um diagnóstico de infecção aguda”, diz ele. “Acho que isso é apropriado.”

COMO A COVID LONGA SE MANIFESTA EM CRIANÇAS?
A Covid longa pode ser desafiadora de estudar, em parte porque é difícil de diagnosticar, já que os sintomas são tão variados. Fazer um diagnóstico é talvez ainda mais complicado em crianças, pois os sintomas podem se apresentar de forma diferente que em adultos. Crianças pequenas também podem não ter a linguagem para descrever o que estão sentindo, então os pesquisadores aconselharam os pais a observarem mudanças no comportamento.

Fadiga, confusão mental e dores de cabeça estão entre os sintomas mais frequentemente relatados da Covid longa em crianças. Embora esses problemas às vezes sejam leves, eles podem impedir que as crianças participem plenamente da escola ou de atividades recreativas. Crianças pequenas também podem agir de forma agressiva, frustradas por não conseguirem fazer facilmente o que costumavam fazer. A maioria dos sintomas melhora dentro de um ano, segundo os especialistas, mas em algumas crianças eles podem persistir por mais tempo.

Ainda não está claro qual será o impacto desses sintomas prolongados no desenvolvimento das crianças a longo prazo, diz Laura Malone, diretora da Clínica de Reabilitação Pediátrica Pós-Covid no Kennedy Krieger Institute em Baltimore.

Em casos graves, algumas crianças apresentam problemas respiratórios e cardiovasculares persistentes, incluindo a miocardite. Diabetes e outros distúrbios autoimunes também podem surgir após uma infecção, embora sejam “muito, muito menos prevalentes em crianças” do que sintomas mais leves, diz Al-Aly.

Sintomas persistentes e graves podem surgir mesmo em crianças com infecções leves, diz Sindhu Mohandas, especialista em doenças infecciosas no Children’s Hospital Los Angeles.

Esse foi o caso de Lucas Denault, cujo primeiro encontro com a Covid em 2021 não incluiu muito além de um nariz entupido. Lucas, então com 15 anos, se recuperou e voltou para a escola, para os treinos de atletismo e para as reuniões do conselho estudantil. Mas meses depois, ele começou a ter dificuldades para andar pelos corredores de sua escola secundária em Littlestown, Pensilvânia. Sua cabeça e peito doíam. Ele se sentia tonto e enjoado.

“Foi uma piora tão rápida”, diz sua mãe, Karin Denault. Nem Lucas nem sua mãe haviam considerado que seus problemas poderiam estar relacionados ao breve episódio de Covid. Mas, seguindo a recomendação de um parente, ele passou por uma avaliação na clínica Kennedy Krieger em Baltimore. Lá, ele foi diagnosticado com Covid longa e com síndrome de taquicardia ortostática postural, um conjunto de sintomas que leva à fadiga extrema e pode ocorrer em pessoas com a condição.

 

QUAIS TRATAMENTOS ESTÃO DISPONÍVEIS?
Não há medicamentos aprovados para tratar a Covid longa, então os médicos se concentram em controlar os sintomas e ajudar os pacientes a funcionarem no dia a dia. Alguns médicos podem prescrever medicamentos para tratar problemas como dores de cabeça e dores musculares. Mohandas, que também estava envolvida na revisão da pesquisa, disse que grande parte do trabalho que ela e outros clínicos fazem gira em torno de validar as experiências desses jovens pacientes. Muitos “eram anteriormente muito saudáveis, então frequentemente todos tendem a duvidar de seus sintomas”, diz ela.

Malone diz que as escolas devem fazer acomodações para crianças que estão enfrentando a condição, incluindo pausas durante o dia e tempo extra para testes.

Pequenas mudanças ajudaram Lucas. Era difícil para ele se levantar da cama, por exemplo, então ele começou a dormir com um travesseiro mais alto para facilitar. A sugestão de seu médico era que ele às vezes balançasse os pés para fora da cama e soletrasse seu nome com os dedos dos pés para melhorar o fluxo sanguíneo. Seu médico também prescreveu vários medicamentos, incluindo um para pressão arterial, para ajudar a controlar sintomas como fadiga e confusão mental.

Lucas agora é calouro em Princeton, e a maioria de seus sintomas melhorou. Quando ele estava visitando faculdades, sua mãe frequentemente tinha que empurrá-lo em uma cadeira de rodas. Recentemente, ela foi para o campus para vê-lo jogar basquete no clube.

Fonte: Folha de S. Paulo