Ainda pouco conhecida no Brasil, a acromegalia faz parte do rol de doenças raras e atravessa um período de descoberta de novos e promissores tratamentos. A partir de um difícil diagnóstico, os pacientes enfrentam jornadas que incluem desde procedimentos cirúrgicos até a exposição a diferentes tipos de tratamentos e medicamentos – mas se estima que cerca de 50% não obtêm sucesso após tantas etapas.
Embora existam novas medicações liberadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para atender essa população, sobretudo os casos mais resistentes aos tratamentos disponíveis, as tecnologias ainda não estão presentes nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da acromegalia.
Vinculado ao Ministério da Saúde, esse documento detalha critérios para diagnósticos, tratamentos e outros aspectos clínicos, sendo amplamente utilizado por profissionais de saúde, servindo de guia sobre como uma doença será tratada no Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, a última atualização no protocolo da acromegalia foi feita em janeiro de 2019 – o que representa quase cinco anos sem revisão, a despeito de novos e eficazes tratamentos aprovados
A jornada dos pacientes com acromegalia
A acromegalia é uma doença crônica causada pela produção excessiva de GH, conhecido como o hormônio do crescimento, e de uma proteína chamada IGF-1.
Aumento das extremidades (como mãos e pés), crescimento dos lábios e alargamento da base do nariz são algumas das manifestações mais visíveis da doença. Elas ocorrem devido ao aumento da secreção do GH, que está associado, na grande maioria dos casos, à presença de um tumor benigno na hipófise. Essa glândula está localizada na base do cérebro e é primordial para o controle do sistema endócrino.
Além dos sintomas físicos, são desencadeadas ainda comorbidades como diabetes, hipertensão, entre outras doenças cardiovasculares e efeitos debilitantes. Evidentemente, essa combinação impacta seriamente a qualidade de vida e a longevidade das pessoas com o diagnóstico.
De acordo com o Ministério da Saúde, o atraso no diagnóstico é estimado em até dez anos, já em meados da idade adulta e quando já há consequências clínicas relevantes, o que se reflete diretamente na redução da expectativa de vida.
A acromegalia é uma condição considerada insidiosa, ou seja, de desenvolvimento lento. Por conta disso, os indivíduos demoram a buscar ajuda médica ou mesmo a identificar que algumas características podem ser sintomas do problema – alterações comuns que geralmente ligam um sinal de alerta são aumento do número do sapato ou um anel deixar de servir no dedo, por exemplo.
Em geral, o tratamento de primeira linha (isto é, usado logo no início das intervenções) é essencialmente cirúrgico. Contudo, uma parcela dos pacientes depende de medicamentos para o controle dos sintomas, que incluem desde o crescimento exagerado de partes do corpo ao agravamento de condições sistêmicas, como pressão alta, diabetes e cardiopatias.
“O tratamento primário é uma cirurgia transesfenoidal, para acesso da hipófise pelo nariz e retirada do tumor. Geralmente, é uma cirurgia feita a quatro mãos, por um otorrinolaringologista e um neurocirurgião”, explica a endocrinologista Vania dos Santos Nunes Nogueira, professora da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Já para os pacientes que não foram controlados cirurgicamente – devido ao tamanho ou posicionamento do tumor, por exemplo –, também há o tratamento medicamentoso complementar.
“Atualmente, os medicamentos cobertos pelo SUS são os ligantes do receptor da somatostatina de primeira geração, uma substância que funciona como um inibidor da produção e liberação do hormônio do crescimento, chamados de octreotida e a lanreotida. Em alguns pacientes, também podemos prescrever a cabergolina”, observa a professora Nogueira.
Além desses tratamentos, há mais duas classes de fármacos que estão disponíveis e aprovados pela Anvisa, porém ainda não foram incorporados ao protocolo.
Uma dessas novas medicações é o pamoato de pasireotida, que também funciona como um ligante ao receptor da somatostatina e é uma opção para os pacientes que não têm resposta com medicamentos análogos de primeira geração.
“Essa medicação seria para os pacientes que foram tratados com a cirurgia e, mesmo assim, não tiveram a doença controlada; e também não responderam ao análogo de somatostatina de primeira geração, octreotida e a lanreotida”, complementa a médica.
Em julho de 2018, o pamoato de pasireotida foi regulamentado pela Anvisa para comercialização no Brasil, entretanto não está no rol de remédios disponibilizados pelo SUS. Na prática, apenas pacientes tratados em instituições privadas, por convênio médico ou quando podem arcar, têm acesso ao tratamento.
O PCDT da acromegalia reconhece a superioridade desse medicamento em relação aos disponíveis atualmente. De acordo com texto – aprovado pela portaria conjunta SCTIE/SAES/MS 2, de 2019 –, o pamoato de pasireoitida “foi testado em pacientes com acromegalia demonstrando eficácia similar ou até superior aos análogos de primeira geração”.
Contudo, sua incorporação às diretrizes ainda não foi avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ligada ao Ministério da Saúde – via de regra, essa análise é necessária para a indicação de um tratamento no PCDT.
A radioterapia também é um tratamento apontado como viável no protocolo, considerado como segunda ou terceira linha de atuação na acromegalia. Na última versão da diretriz clínica para a doença, essa terapia está entre as opções de manejo. Entretanto, entre os efeitos colaterais, está a possibilidade do desenvolvimento de tumores secundários, eventos cerebrovasculares e alterações neurocognitivas.
Como funciona o PCDT
O PCDT norteia os critérios de diagnósticos, tratamentos, fármacos e posologias e outras recomendações clínicas para cada enfermidade. E a Conitec assessora o Ministério da Saúde na elaboração e atualização dos protocolos e diretrizes.
O documento é construído com base em evidências científicas e serve como base para gestores do SUS, inclusive para profissionais da saúde com atuação no sistema público. Os pacientes também têm acesso às informações do protocolo.
“Esse é um instrumento importante para orientar e conduzir o paciente, desde o tratamento específico até a reabilitação e toda a conduta clínica”, afirma Giovanni Cerri, presidente dos Conselhos dos Institutos de Radiologia (InRad) e de Inovação (InovaHC) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
O PCDT traz informações sobre diversas doenças, incluindo as de maior prevalência e também as raras. A ideia é que ele seja constantemente atualizado de acordo com perspectivas mais modernas para os tratamentos. O protocolo referente à doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), por exemplo, teve sua última atualização em 2022; a diretriz voltada à asma, em 2021.
Já o documento sobre a acromegalia teve a revisão mais recente em 2019. “A atualização não consegue ser tão rápida quanto as novas pesquisas sobre tratamentos e diagnósticos. Isso acontece especialmente no caso de doenças raras”, explica Cerri.
A Conitec aponta que os protocolos e diretrizes devem ser atualizados sempre que houver mudanças nas evidências científicas disponíveis. Nos PCDTs, constam apenas os procedimentos e medicamentos incluídos no rol do SUS – e, para que haja a incorporação, é necessária indicação da Conitec, além de decisão do Ministério da Saúde, por isso a necessidade de a formulação dos protocolos e a análise da incorporação se aliarem.
“Quando existe um protocolo, mas ele não incorporou os recursos mais recentes, gera um problema de judicialização. Os pacientes sabem que uma determinada droga existe, já foi aprovada pela Anvisa, mas não está disponível. Para o gestor em saúde, esse é um problema, porque há um gasto maior para o fornecimento daquele medicamento, por exemplo”, pontua o radiologista.
É o que acontece com a acromegalia, em que pacientes buscam a Justiça para obter acesso a tratamentos mais avançados, necessários para seus casos, mas que ainda não encontram no SUS.
Limitações aos pacientes
Gabriela de Menezes, de Campos de Goytacazes (RJ), iniciou uma investigação médica ainda na adolescência por conta de intensas dores de cabeça. Após uma série de exames e muitas idas e vindas, ela soube da presença de um tumor na hipófise.
A partir de então, deu início à jornada de tratamento: “Em 2016, passei pela cirurgia, que tirou cerca de 70% do tumor. Depois, fiz 28 sessões de radioterapia, mas não tive resultado, então comecei o tratamento com a octreotida”, relembra a jovem, hoje aos 24 anos.
Desde o diagnóstico, realiza o acompanhamento com a equipe de neuroendocrinologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, vinculado à UFRJ.
Em uma consulta de rotina no final de 2022, Menezes foi orientada por seu médico a trocar a medicação, da octreotida (fornecida pela farmácia de alto custo do SUS) para o pamoato de pasireotida. Para isso, precisou recorrer à Justiça, e, em dezembro de 2023, teve decisão favorável à obtenção do remédio.
Enquanto não havia definição judicial, precisou manter o tratamento anterior, ainda que ele não fosse o mais adequado pela recomendação médica.
“Não tenho condições de comprar pamoato de pasireotida. Agora, vou receber o remédio de três em três meses. Fui orientada que, ao final do segundo mês, preciso enviar o pedido ao Ministério da Saúde para conseguir a medicação para os próximos meses”, explica.
Menezes está com grande expectativa para o novo tratamento. Ela sente fortes dores crônicas relacionadas à acromegalia, além de estar em investigação de um possível quadro de diabetes mellitus intensificada pelo controle ineficaz da doença.
Quanto mais longa a espera pelo acesso ao tratamento de segunda geração, maiores e mais graves podem ser os efeitos da acromegalia na saúde dos pacientes.
O empresário Valcir Neix, 48 anos, recebeu o diagnóstico em 2010. “Comecei a sofrer com severas dores de cabeça e inflamação no túnel do carpo. Além disso, comecei a ter muito problema com calçado, não conseguia encaixar um tênis no meu pé”, relembra.
Ao visitar uma endocrinologista, comentou sobre os sintomas e foi encaminhado para a realização de uma ressonância magnética, que apontou um tumor benigno na hipófise – um macroadenoma. Neix passou pelo procedimento cirúrgico e por sessões de radioterapia, mas sem uma remissão completa. Teve de manter o uso de medicações para o controle da doença.
No início do tratamento, a médica que o acompanhava prescreveu os remédios octreotida e lanreotida, ambos fornecidos pela farmácia de alto custo do SUS, porém nenhuma das duas teve o efeito esperado.
“Após vários anos, recebi indicação de um medicamento que não está no rol da farmácia de alto custo. Para conseguir o acesso, tive que realizar uma ação judicial”, narra Neix. Somente com o uso desse fármaco o empresário teve melhoras significativas em seus exames.
Com auxílio do Instituto Vidas Raras, Neix teve contato com outros indivíduos diagnosticados com acromegalia e teve o suporte de informação para reivindicar judicialmente o fármaco.
“Quando começamos a acolher as pessoas com acromegalia, enfrentamos uma tarefa muito árdua. Fizemos um encontro com os pacientes e conseguimos entender como poderíamos orientá-los em sua defesa por tratamentos já disponíveis no mercado, mas não incluídos no SUS”, afirma Regina Próspero, CEO do Instituto Vidas Raras.
“Se há tratamentos disponíveis no mercado e sabemos que cada indivíduo responde melhor a um tratamento do que outro, equidade deveria ser a palavra que norteia a construção e atualização dos PCDT”, finaliza Próspero.
Fonte: Jota informações
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