O Senado aprovou, na última semana, um projeto de lei (PL) que autoriza a prescrição em todo país da ozonioterapia como tratamento de saúde de caráter complementar. A decisão, que divide opiniões de políticos e entidades de saúde, segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ozonioterapia se popularizou como uma opção para tratamentos estéticos e procedimentos odontológicos. O PL 1.438/2022 possibilita que ela seja usada também para complementar o tratamento de doenças quando os profissionais de saúde considerarem pertinente. A decisão é polêmica porque não existem evidências científicas que comprovem os benefícios do método.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) entende que os médicos só podem utilizar a técnica em caráter experimental. Médicos ouvidos pelo Metrópoles temem que os pacientes negligenciem tratamentos padrão para doenças importantes acreditando nos benefícios da ozonioterapia. O projeto original previa a aplicação da terapia por médicos, mas os deputados alteraram a redação do Senado para autorizar também que profissionais da saúde de nível superior inscritos nos conselhos de fiscalização profissional – como os farmacêuticos – também possam utilizar a prática. O senador Otto Alencar (PSD-BA), relator na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), argumentou no relatório apresentado que considera adequado permitir, “pela via legal, que os profissionais de saúde de nível superior devidamente treinados em sua utilização possam oferecê-la a seus pacientes, se entenderem que pode ser benéfica à melhora do quadro clínico”.
Quem tem a palavra final?
O presidente Lula tem até 4 de agosto para aprovar ou vetar a decisão. A Academia Nacional de Medicina (ANM) divulgou uma carta aberta destinada ao chefe do executivo na última segunda-feira (17/7) pedindo que ele vete o projeto de lei. A ANM destaca a falta de evidências comprovadas por trabalhos científicos que comprovem seus benefícios e a possibilidade de riscos à população. O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes, aponta que o Senado não é o local adequado para a discussão. “Me estranha que um assunto de natureza absolutamente médica esteja em debate por políticos, por mais gabaritados que sejam. A regulação da prática médica cabe ao CFM. Não vejo os senadores com conhecimento necessário para votar um tema como esse, de âmbito da ciência”, afirma Fernandes.
O presidente da AMB teme que médicos defensores da ideia, que acreditam na sua segurança e eficácia, saiam da clandestinidade para indicar o tratamento aos pacientes. O senador Dr. Hiran (PP-RR) também considera que o Congresso Nacional não é a instituição mais adequada para debater e avaliar a eficiência e biossegurança de qualquer terapêutica ou medicamento usado em seres humanos. O parlamentar lembra de exemplos de um passado recente, como a aprovação da “pílula do câncer”, aprovada na Casa e que depois se comprovou não ter efeito terapêutico. “Gastou-se energia, tempo, dinheiro, para algo que só gerou muita confusão na cabeça das pessoas”, considera.Hiran teme que a aprovação gere falsas expectativas em pacientes de doenças crônicas e graves, vislumbrando na ozonioterapia um tratamento eficaz para as suas doenças.
“As pessoas pouco informadas terminam depositando toda a sua esperança e investimento em um tratamento sem eficácia nacional ou internacional comprovada e, com isso, negligenciam terapêuticas consagradas. Isso é o que me deixa muito preocupado”, considera.
Ozonioterapia
A ozonioterapia é uma técnica minimamente invasiva que utiliza o ozônio como um agente terapêutico a partir da aplicação local, na boca, venosa, retal ou por injeção subcutânea, a depender do objetivo.
Acredita-se que ela atue contra bactérias e fungos sem sistemas de proteção contra a atividade oxidativa do ozônio. A técnica poderia melhorar a oxigenação do sangue, a circulação e aumentar as ações anti-inflamatórias do corpo, além de melhorar a imunidade, diminuir a dor, inchaço e combater microrganismos. Teoricamente, os defensores apontam que ela poderia ajudar no tratamento complementar de problemas respiratórios, como asma e bronquite; de coluna, incluindo hérnia de disco; complicações da diabetes; câncer; HIV; esclerose múltipla e a infertilidade. Porém, não há comprovação científica para nenhuma dessas aplicações. Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza o uso da ozonioterapia apenas em equipamentos médicos com indicação para procedimentos estéticos, para o auxílio à limpeza e assepsia de pele e bucal.
Nesse último, ele pode ser usado para o tratamento da cárie dental, pela ação antimicrobiana; prevenção e tratamento dos quadros inflamatórios e infecciosos; em endodontia, com a potencialização da fase de sanificação do sistema de canais radiculares; e em cirurgia odontológica, para o auxílio no processo de reparação tecidual. O texto aprovado no Senado prevê que o tratamento só poderá ser aplicado por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente regularizado pela Anvisa ou órgão que a substitua.
A fisioterapeuta Fabiana Machado, especialista em saúde integrativa e ozonioterapia, esclarece que o ozônio pretende complementar um conjunto de abordagens, incluindo a suplementação, atividade física e outras terapias. “O ozônio vem para potencializar essas outras técnicas”, afirma. Segundo Fabiana, o paciente precisa ser avaliado como um todo antes de ser submetido ao tratamento. “Ele deve estar bem hidratado para escolher a via, porque o ozônio é carreado através da água e deve ser capaz de chegar até a local da inflamação”, explica.
Primeiros relatos de uso
Os primeiros relatos do do gás ozônio para o tratamento de pessoas datam do século 19. Desde a Primeira Guerra Mundial, o ozônio já era utilizado por médicos alemães e ingleses para tratar ferimentos de soldados. Em 1935, surgiu o tratamento com ozonioterapia como conhecemos hoje. A técnica evoluiu com o passar dos anos e chegou ao Brasil por volta da década de 1980.