O setor da saúde como um todo é cheio de fragilidades e problemas, em especial no Brasil, que ficaram ainda mais escancarados na pandemia. Pode parecer contraintuitivo, mas é justamente essa característica que torna o setor de saúde extremamente atrativo para novos negócios, que buscam resolver essas questões de forma inovadora. Não é à toa que, nos últimos anos, houve um grande crescimento no número de healthtechs – startups que oferecem soluções inovadoras para a área – e de aplicativos voltados para o cuidado com a saúde, com foco tanto nos profissionais de saúde, hospitais e clínicas, quanto no paciente.
— As nossas fragilidades ficaram ainda mais evidentes na pandemia e são problemas que precisam de soluções em escala. É exatamente aí que a indústria de tecnologia olha e tenta encontrar soluções — diz Rodrigo Demarch, diretor executivo de Inovação do Hospital Albert Einstein.
O cenário de restrições imposto para controlar a disseminação do novo coronavírus, somado à necessidade de encontrar soluções eficazes – como vacinas e medicamentos – rapidamente, contribuiu para vencer resistências. Um claro exemplo disso é a expansão da telemedicina, que até o início de 2020 ainda engatinhava no país. Hoje, é difícil encontrar alguém que não tenha utilizado essa modalidade de atendimento. O uso maciço da telemedicina, por sua vez, gerou a necessidade de criar prontuários eletrônicos e prescrições digitais. A impossibilidade de ir para a academia abriu espaço para a multiplicação de aplicativos de atividade física e a instabilidade do período, que aumentou problemas como depressão e ansiedade, acelerou o surgimento de produtos focados em saúde mental e bem-estar.
Segundo levantamento da Liga Ventures em parceria com a PwC Brasil, o número de healthtechs no país aumentou 16,11% entre 2019 e 2022. Hoje, são 545 startups mapeadas, em 35 categorias que vão desde soluções agendamento de serviços e gestão de prontuário até controle de doenças crônicas e saúde mental. Em relação à localização de origem dessas iniciativas, a maioria está no estado de São Paulo, que concentra 41,28% das healthtechs, seguida por Minas Gerais (6,61%) e Rio de Janeiro (6,42).
Outra pesquisa, realizada pela plataforma Distrito, que ajuda companhias a encontrar startups capazes de oferecer soluções para suas demandas, aponta a existência de 1.023 healthtechs em atuação no Brasil em diferentes estágios de evolução. Destas, 61% foram fundadas entre 2016 e 2022.
O aumento do interesse em startups de saúde contribuiu para esse crescimento. Dados do estudo Inside HealthTech Report – Retrospectiva 2021 e Tendências 2022, revelam aumento de 300% no aporte em startups de saúde, nos últimos dois anos. Relatório da consultoria KPMG colocou as soluções de saúde entre as áreas “quentes” de investimentos para este ano.
As startups são empresas jovens com modelo de negócio escalável e replicável. Elas têm um jeito ágil de funcionar e usam a tecnologia para propiciar uma medicina mais preventiva, preditiva e personalizada. Nos últimos anos, com o aumento da crise dos planos de saúde, se destacaram iniciativas que oferecem atendimento à saúde, a um valor acessível, como Alice, Sami Saúde e Pipo Saúde. A Pipo Saúde, por exemplo, aumentou sua receita em em 700% em 2021 e prevê crescer mais 300% este ano. Crescimento semelhante é previsto pela Saúde da Gente, pioneira no segmento de saúde digital.
Também receberam grandes investimentos a Memed, de prescrições digitais, e a Gympass, plataforma de saúde e bem-estar, que recentemente fechou uma parceria com a SulAmérica para levar saúde integral para todos os beneficiários da seguradora. Nos últimos dois anos, também se destacaram empresas focadas em promover a saúde mental, como Vitalk, Vittude e Telavita.
A quinta edição da lista 100 Startups to Watch, realizada por meio de uma parceria entre Pequenas Empresas & Grandes Negócios, Época Negócios, EloGroup e Innovc, elencou 16 startups de saúde e bem-estar.
Entre elas, estão empresas que focam em atendimento domiciliar, como a Beep Saúde e a ISA LAB, foodtechs, como a Liv Up e a Yamo Superfoods e a beautytech JustForYou, que foca em tratamento capilar personalizado. Também integram a lista empresas que oferecem soluções para outras empresas, como a Clinicarx e a Kidopi, além de startups que focam em tratamentos como a Vyro Biotherapeutics, voltada para combate do câncer, e a Tato, para dores musculoesqueléticas.
O potencial das healthtechs para o setor de saúde é tão grande que empresas grandes e tradicionais têm atraído essas startups para próximo de si por meio de parcerias, investimentos e fusões. O Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, criou há cinco anos sua própria incubadora. Segundo Demarch, mais de 2.500 startups já foram rastreadas, das quais 150 foram incorporadas. Além disso, em cerca de 30 delas, o hospital investiu.
Além de atuarem no oferecimento de planos de saúde mais acessíveis, no desenvolvimento de novas tecnologias para auxiliar no rastreamento de doenças, como o uso de ferramentas de inteligência artificial para analisar resultados de exames e encontrar padrões de risco, e na melhoria de processos, um dos focos das healthtechs são os aplicativos de saúde.
Na lista 100 Startups to Watch, aparecem ainda cinco aplicativos. O SleepUp, que utiliza terapias digitais contra distúrbios do sono e é regulamentado pela Anvisa; a ViBe Saúde, que oferece pronto atendimento digital, consultas por telemedicina e terapia online; o WeCancer, voltado para o acompanhamento de pessoas com câncer; o Youfeel Health, que atua analisando dados a respeito de atividades físicas, nutrição e sono, realizando diagnósticos e conectando os usuários e profissionais de saúde por meio de atendimento online; e a Hisnek, que atua na prevenção de doenças mentais.
Os aplicativos com foco em saúde e bem-estar caíram nas graças dos brasileiros nos últimos anos. Levantamento da consultoria internacional App Annie mostrou que em 2020 o download destes aplicativos cresceu 45% no Brasil. O número é maior do que a alta mundial, que foi de 30%. Entre os principais, estão aplicativos da área de medicina com informações sobre o coronavírus, além de ferramentas para exercícios físicos, práticas de yoga, meditação, vida em casa, entre outros.
Entretanto, especialistas alertam para a necessidade de pesquisar sobre a origem e validação antes dos aplicativos de saúde, em especial aqueles têm fins de tratamento ou diagnóstico.
— Os aplicativos e as startups promovem acesso à saúde, de uma maneira mais acessível. Mas é preciso lembrar que nada substitui o contato direto entre médico paciente — ressalta Leonardo Menezes, diretor médico da Casa de Saúde São José.
Não há dúvidas de que o modelo de negócio criado pelas startups de saúde veio para ficar. Tendências na área para os próximos anos incluem foco em saúde preventiva, a disseminação de femtechs, empresas que apresentam soluções e inciativas voltadas para a saúde da mulher, o open health, que possibilita que qualquer empresa da área consulte os dados médicos, desde que haja autorização do paciente e a análise de DNA para prever o risco de doenças e personalizar tratamentos.
— Aquele conceito de que boa saúde começa com a doença, quando eu compro remédio na farmácia, quando vou ao médico ou eu entro no pronto-socorro pra ser atendido, está mudando. Cada vez mais, entende-se que saúde é prevenir doenças, que as pessoas precisam participar ativamente disso e é nisso que muitas startups estão investindo — diz Bruno Porto, sócio da PwC Brasil.
Para Porto, outras categorias que continuarão em crescimentos nos próximos anos são as de iniciativas voltadas para bem-estar e a saúde mental, inteligência de dados, além de prontuário e prescrição eletrônica.
Fonte: O Globo